Ação CBO e SBG: 24h pelo Glaucoma

No dia 21/05, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG) estarão realizando as 24h pelo glaucoma. Com o intuito de fazer um alerta e esclarecimentos sobre a doença, o Grupo de Trabalho de Oftalmologia da SOPERJ, presidido pela Dra. Viviane Lanzelotte, elaborou um texto, destinado aos pediatras, que aborda tópicos como o quadro clínico, o diagnóstico, o tratamento e a prevenção.

Glaucoma na criança

O glaucoma pediátrico é uma doença em geral ocasionada por alterações anatômicas que comprometem o sistema de drenagem do fluido ocular, chamado humor aquoso, levando a um aumento da pressão intraocular (PIO). A PIO continuamente elevada provoca lesão no nervo óptico, alterando o campo visual e a acuidade visual, podendo levar à cegueira

É uma doença de incidência baixa, corresponde a cerca de 0,5% das doenças oculares da infância, sendo a terceira causa de cegueira irreversível infantil.

É importante que o pediatra conheça o quadro clínico para encaminhar a criança o mais rápido possível para o oftalmologista. Os sintomas que ocorrem em crianças são diferentes dos sintomas dos adultos e o diagnóstico tardio afeta o prognóstico visual.

Etiologia e Classificação

Uma forma de classificar o glaucoma é baseada na idade de início. O glaucoma congênito primário está presente ao nascimento e é bastante raro, 1 em 10.000 nascimentos. O glaucoma infantil se desenvolve entre 1 mês e 2 anos de idade e o glaucoma juvenil se inicia após os 3 anos de idade.

Outra forma de classificação é de acordo com a anomalia estrutural ou condição sistêmica associada: primário, quando há uma anomalia na formação do ângulo da câmara anterior ou secundário, quando o fluxo do humor aquoso é reduzido por: doenças oculares adquiridas ou congênitas; doenças sistêmicas (como rubéola); uso de medicamentos (em especial os corticosteroides).

O glaucoma primário geralmente é bilateral (70 a 80%) e esporádico, mas pode ter herança autossômica recessiva. Como existe hereditariedade em cerca de 10% dos casos, regiões com muitos casamentos consanguíneos têm taxas mais elevadas. Existem mutações genéticas identificadas e as famílias podem receber aconselhamento pré-natal.

Quadro Clínico

As manifestações clínicas de PIO elevada são determinadas pela magnitude de sua elevação e a idade de início.

A tríade clássica do glaucoma congênito infantil é lacrimejamento, blefaroespasmo e fotofobia. Estes sintomas são decorrentes do edema corneano secundário ao aumento da PIO e, mesmo não sendo específicos de glaucoma, são muito sugestivos, em especial em crianças com menos de 3 anos. Estes sintomas aparecem antes de ocorrer opacificação da córnea (que é o sinal mais frequente) e do buftalmo se tornar óbvio. Buftalmo é o termo utilizado para descrever um olho cujo crescimento global aumentado causa uma aparência de olho proeminente. Isso ocorre devido à imaturidade do colágeno corneano e escleral.

As estrias de Haab, estrias horizontais no centro da córnea, representam rupturas de uma das camadas da córnea e são patognomônicas de glaucoma. Ocorrem em crianças com menos de 18 meses e com diâmetro corneano de pelo menos 12,5 mm.

Uma PIO muito elevada em um neonato pode se apresentar com córneas aumentadas e opacificadas. No entanto, um aumento lento da PIO resulta em uma apresentação menos aguda, com buftalmo, mas sem turvação corneana ou fotofobia.

Uma criança que inicie o glaucoma juvenil, com idade acima de 3 anos, quando não há mais tanta elasticidade dos tecidos oculares, geralmente se apresenta com miopia progressiva ou estrabismo.

Crianças mais velhas podem ser assintomáticas até perceberem defeitos de campo visual ou começar a esbarrar nos objetos por conta disso.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito através do exame oftalmológico que muitas vezes requer que a criança seja sedada para uma avaliação mais precisa e para documentação. O oftalmologista irá avaliar a PIO, o diâmetro corneano, a espessura da córnea, a presença de opacidades corneanas, o comprimento axial do olho, a refração sob cicloplegia e o fundo de olho.

Crianças mais velhas podem realizar os exames de campo visual para avaliar possíveis defeitos de campo periférico e exame de OCT (tomografia de coerência óptica) para avaliar a espessura da camada de fibras nervosas do nervo óptico. O exame OCT pode detectar alterações iniciais e ser útil na avaliação da progressão da doença.

Diagnóstico Diferencial

  • Uma atenção especial deve ser dada à obstrução do ducto nasolacrimal, pois é muito comum e também cursa com lacrimejamento, porém não há fotofobia ou blefaroespasmo. Neste ponto ressalta-se o cuidado com o uso de colírios contendo corticosteroides porque podem levar ao glaucoma corticogênico.
  • Megalocórnea – cursa com aumento somente da córnea, mas o comprimento axial e a PIO são normais, não havendo edema ou estrias nas córneas. Geralmente ocorre em meninos, já que a maioria (90% dos casos) é ligada ao X.
  • Trauma obstétrico – a compressão dos globos oculares pelo fórceps no momento do parto pode romper a membrana de Descemet da córnea, cursando com edema e, raramente, estrias semelhantes às de Haab, no entanto, estas geralmente têm orientação vertical. Geralmente é unilateral e não cursa com aumento do diâmetro corneano.
  • Esclerocórnea – congênita, geralmente bilateral, mas assimétrica, com opacificação da periferia corneana, associada com vascularização. Pode ser esporádica ou autossômica dominante. Pode se associar a glaucoma por goniodisgenesia.
  • Distrofias corneanas – congênitas, hereditárias e simétricas. O diâmetro cornaneno e a PIO são normais. Muitas vezes há história familiar positiva.

Tratamento

O glaucoma congênito/ infantil é uma urgência oftalmológica. É importante reduzir a pressão intraocular o mais rapidamente possível. O procedimento cirúrgico é a primeira opção de tratamento e serve para criar um novo sistema de drenagem (goniotomia, trabeculectomia ou TREC).

O tratamento clínico com medicamentos tópicos ou orais podem ser indicados nos glaucomas juvenil ou nos secundários. Um ou mais colírios antiglaucomatosos podem ser necessários para controlar a pressão dos glaucomas congênitos e infantis mesmo depois da cirurgia.

O seguimento de crianças com glaucoma requer diversos procedimentos clínicos e cirúrgicos sob anestesia.

O prognóstico visual vai depender tanto da redução da PIO, quanto da correção dos erros refrativos (mais frequentemente a miopia), estrabismo e ambliopia associados.

Mesmo com o tratamento adequado o glaucoma pode causar perda importante da visão. O acompanhamento rigoroso é fundamental para um resultado a longo prazo.

Prevenção

Qualquer criança com suspeita de glaucoma deve ser encaminhada para avaliação oftalmológica o mais rápido possível para melhorar o prognóstico visual.

Prognóstico

A perda visual de crianças com glaucoma ocorre por uma combinação de fatores: dano ao nervo óptico (principalmente quando não há boa resposta na redução da PIO), alterações corneanas, erros refracionais não corrigidos e ambliopia, entre outros.

O prognóstico visual depende em especial de:

  1. Tempo entre a primeira manifestação clínica, diagnóstico e cirurgia.
  2. Controle da PIO com sucesso.
  3. Correção dos erros refrativos e tratamento da ambliopia.

Estes pacientes precisam ser seguidos a vida toda, tanto para controle da PIO, que pode aumentar em qualquer estágio, quanto pelas possíveis complicações cirúrgicas que podem acontecer mesmo depois de uma cirurgia de sucesso.

Conclusão

O glaucoma infantil é uma doença rara, mas potencialmente grave. Os sinais podem estar presentes ao nascimento ou aparecer durante a infância.

A suspeita através da tríade clássica de lacrimejamento, fotofobia e blefaroespasmo deve alertar o pediatra quanto à possibilidade de glaucoma. O buftalmo e a opacificação da córnea, que pode alterar o teste do reflexo vermelho, quando presentes devem ser considerados como alto risco de glaucoma.

Qualquer criança com suspeita de glaucoma deve ser avaliada por um oftalmologista.

Referências Bibliográficas

  1. Taylor D, Hoyt C. Pediatric Ophthalmology and Strabismus, 3.ed. Edinburgh: Elsevier Saunders,
  2. American Association for Pediatric Ophthalmology & Glaucoma for Children. Atualizado em 08/2021. Disponível em: https://aapos.org/glossary/glaucoma-for-children; acesso em 19/05/22.

Dra Susana Knupp

GT de Oftalmologia da SOPERJ