Autores: Dr. Eduardo Jorge Custódio da Silva
Dra. Evelyn Eisenstein
O aumento da violência entre a população jovem brasileira e mundial e o advento de massacres em escolas perpetrados recentemente por jovens no Brasil nos leva a perguntar sobre quais seriam as causas desse fenômeno.
Alguns aspectos devem ser discutidos de forma especial:
- Violência em geral
A exposição à violência “virtual” através da televisão e das mais variadas mídias digitais se tornou um componente inevitável também na vida de nossas crianças e adolescentes.
Crianças e adolescentes experimentam as mais variadas formas de violência através de múltiplas plataformas, incluindo computadores, celulares, tablets, streaming etc.
A violência na mídia certamente não é a causa principal da violência na vida real, mas sim um fator associado e significativo – suscetível as outras influências estruturais e comportamentais como o racismo, pobreza, homofobia, misoginia, diferenças psicológicas individuais e também qualidade dos cuidados parentais e situações do próprio contexto social.
2) Jogos
Certamente são muitos os desencadeadores da violência: um deles, que anos atrás não era tão considerado, são os jogos violentos praticados em rede comum entre os jovens, denominados de MMORPG (de Massive Multiplayer Online Role Playing Game).
A modernidade e a globalização facilitam o acesso às tecnologias, o que contribuiu para o crescimento das populações que fazem uso deste tipo de entretenimento.
Existem dúvidas e controvérsias quando se fala em jogos violentos, atos violentos e a relação entre eles, desenvolvimento infantil e comportamento juvenil. No entanto, estudos e revisões científicas atuais corroboram as influências e associações entre estes tipos de jogos com comportamentos mais agressivos e violentos, durante a adolescência e a vida adulta.
3) Deep web
Os termos deep web, invisible web e dark web se referem a conteúdos que não são indexados pelos mecanismos de busca habituais como o Google por exemplo.
Por conta disto e da sensação de impunidade, este é um terreno mais fértil para fóruns onde ódio, violência, intolerâncias, pornografia e pedofilia são assuntos comuns, funcionando como instrumentos de propaganda destrutiva e arregimentação principalmente de adolescentes e jovens sobre esses temas.
4) Bullying, Cyberbullying e Discriminação
Segundo a pesquisa TIC KIDS Online-Brasil-2017, 82% de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usuárias da Internet com acesso a todos os tipos de conteúdo em redes sociais. Muitas situações de discriminação ocorrem, especialmente em cenários de violência corriqueira e urbana, que são banalizadas, no relacionamento familiar ou entre colegas da escola, caracterizando a violência online e extrapolando o bullying para o cyberbullying ou criações de vídeos violentos pelos próprios adolescentes. Nesta pesquisa, 41% das crianças e adolescentes já viram alguém ser discriminado, com incidência crescente a partir dos 13 anos de idade, em todas as classes sociais. Os tópicos apontados são discriminação por cor/etnia, aparência física, gostar de pessoas do mesmo sexo, religião, entre outros motivos. Estas discriminações demonstram as dificuldades que os jovens têm de perceber os limites entre as brincadeiras, ofensas não intencionais e agressões propriamente ditas, pois os limites entre a vida real e a vida virtual através das imagens e condutas aprendidas como modelos em jogos violentos dependem das suas percepções e experiências, também online, na construção de suas identidades. Em muitas ocasiões estes limites do que se pode ou não pode fazer são tênues e sutis entre fantasia, imaginação e realidade.
5) Problemas sócio educativos
Adolescentes e jovens violentos ou homicidas são mais comumente provenientes de famílias disfuncionais, com transtornos mentais ou criminalmente violentas e que sofreram todos os tipos de violência, abandono afetivo ou abuso sexual na infância.
Grande parte dos assassinos recentes tiveram experiências negativas contínuas na infância, e vêm de famílias desestruturadas. Vários pesquisadores, ao estudarem sobre práticas educativas parentais, conseguiram identificar relações significativas entre as práticas adotadas pelos pais e o posterior desenvolvimento ou inibição de comportamentos antissociais.
São considerados fatores de risco negativos:
- Negligência (falta de atenção dos pais com as necessidades de seus filhos, ausência de amor e carinho na interação familiar);
- Monitorização negativa (excesso de fiscalização por parte dos pais na vida dos filhos e por meio de inúmeras instruções repetitivas, que acabam não sendo seguidas pelos filhos, produzindo um clima familiar estressante, hostil e sem diálogo);
- Punição inconsistente (ocorre quando os pais punem ou reforçam os comportamentos de seus filhos de acordo com o seu bom ou mau humor)
- Disciplina relaxada (não cumprimento de regras estabelecidas. Os pais ameaçam e quando se confrontam com comportamentos opositores e agressivos dos filhos omitem-se, sem fazer valer as regras)
- Abuso físico ou sexual (ocorre quando os pais machucam, batem com objetos ou causam dor em seus filhos na tentativa de controlá-los através do castigo ou ameaças)
6) Psicopatologias
Doenças como a depressão, uso de álcool, maconha e drogas e outras formas de psicopatias e transtornos me
ntais familiares ou individuais devem ser levadas à sério e não banalizadas como um problema menor na nossa sociedade. Pois podem ser um terreno fértil para pensamentos antissociais e autodestrutivos. Muitos adolescentes se tornam dependentes de jogos online ou videogames na procura de uma alternativa a situações conflitantes ou desagradáveis e extravasam suas angústias, “se distraindo” ou esquecendo de seus problemas e jogando cada vez mais, pois recebem recompensas em pontos ou prêmios a cada eliminação do inimigo ou destruição de alvos, muitas vezes, imagens e figuras ou avatares humanos.
Concluindo:
Acreditamos que práticas parentais afetivas e educativas positivas com filhos e as suas consequências têm uma influência significativa sobre o comportamento dos adolescentes, da mesma maneira que práticas sem limites e negativas influenciam os comportamentos violentos. Os jogos violentos podem atuar como fatores associados facilitadores e precipitantes de mais violência.
Tendo em vista que a sociedade atual está sob constante e inevitável influência das mídias e de outros meios de comunicação e informação, as práticas parentais como o diálogo e o respeito nas trocas diárias com os filhos podem e devem ser o fator que inibirá a influência desses meios sobre o comportamento das pessoas por ela atingidas.
Alguns pesquisadores se referem ao consumo de informações através da internet como dieta de mídias, para quantificar a qualidade do que é consumido. Como nas dietas alimentares, esse consumo de conteúdos como os jogos online ou videogames pode ser saudável ou não, balanceado ou não, excessivo ou distorcido.
Um ambiente familiar com pais que exercem a prática parental com amor, atenção e presença adequada pode ser fator de resiliência e proteção contra as influências sociais negativas, sendo consequentemente fator inibidor de comportamentos e atos violentos que ferem as regras sociais e a moral.
É sempre importante avaliar o triângulo entre as características do pensamento e desenvolvimento do adolescente, a situação familiar e o contexto escolar ou social, naquele momento e também na história prévia de fatos que ocorreram na infância e anos anteriores, como separações, traumas, doenças crônicas ou outros transtornos mentais ou comportamentais, como fatores delineadores das causas e da intensidade e frequência do uso dos jogos online.
Este é um momento em que os profissionais que lidam com crianças, adolescentes e jovens devem cooperar na busca de soluções de proteção social para esse problema. Algumas recomendações básicas:
- Videogames e jogos online devem ser sempre supervisionados, em conteúdos e tempos de uso, não interrompendo rotinas familiares ou tarefas escolares;
- Desligar, desconectar sempre às horas das refeições, e 1-2 horas antes de dormir, não permitir “viradas à noite” jogando com amigos;
- Observar se os adolescentes estão se isolando em seus quartos, através dos jogos ou com uso de webcam ou com aumento de transtornos de aprendizado ou problemas escolares;
- Estimular alternativas como exercícios ao ar livre, atividades artísticas como música, desenho, teatro ou saídas nos finais de semana com pais ou familiares para atividades culturais ou passeios;
- Procurar ajuda e avaliação diagnóstica de cuidados médicos pediátricos e/ou psicoterapêuticos de atenção psicossocial sem delongas ou resistências, em casos de comportamentos de dependência digital.
* Dr. Eduardo Jorge Custódio da Silva e Dra. Evelyn Eisenstein são Diretores da Clínica de Adolescentes e Coordenadores da Rede ESSE Mundo Digital e membros da SOPERJ e da SBP.
Endereço para correspondência:
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Abril / 2019