Dia Mundial da Alimentação – 16 de Outubro

Para marcar o Dia Mundial da Alimentação – 16 de outubro, o Departamento Científico de Nutrologia Pediátrica da SOPERJ, presidido pela Dra. Maria Carolina de Pinho Porto, elaborou um artigo sobre o tema, chamando a atenção para a insegurança alimentar no Brasil.

Dia Mundial da Alimentação: Mais do que Nutri, um Ato de Conexão e Resistência

Departamento de Nutrologia: Maile Vidigal Prates, Maria Priscilla Magalhães de A. Figueira

No Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, não promovemos apenas a ingestão de nutrientes. Celebramos um dos pilares mais fundamentais da vida humana: o direito universal a uma alimentação que seja, ao mesmo tempo, saudável, saborosa, culturalmente significativa e ambientalmente sustentável. No Brasil, esse direito está longe de ser uma realidade para todos. Dados assustadores do IBGE (2023) revelam que mais de 70 milhões de pessoas vivem com algum grau de insegurança alimentar, sendo que 15 milhões enfrentam a fome na sua forma mais severa. Este não é apenas um número; é uma violação de um direito humano básico.

Entende-se por segurança alimentar uma alimentação saudável, de qualidade e em quantidade suficiente e de modo permanente. A verdadeira alimentação vai muito além de saciar a fome. Vivemos em um paradoxo perverso: enquanto a fome assola milhões, a obesidade infantil no Brasil cresceu mais de 70% entre crianças de 5 a 9 anos nas últimas duas décadas, segundo o Ministério da Saúde. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como diabetes e hipertensão, impulsionadas pelo consumo de alimentos ultraprocessados, são hoje a principal causa de morte no mundo, de acordo com a OMS. Este cenário é um alerta vermelho para a saúde pública.

A raiz desse problema muitas vezes começa cedo, nos primeiros mil dias de vida (da concepção aos dois anos de idade) e em toda a infância. Este é um período de janela de oportunidade crítica, onde uma alimentação de qualidade constrói as bases para a saúde ao longo de toda a vida. Estudos mostram que a nutrição adequada nessa fase é determinante para o desenvolvimento cognitivo, a prevenção de doenças futuras e a formação de um paladar saudável.

Cabe ao pediatra um importante papel nesse sentido, atuando na linha de frente na promoção de hábitos saudáveis, por meio da informação e dos cuidados com a alimentação. Sua atuação se direciona não só à criança, mas a toda a família, promovendo esclarecimentos e ajustes à realidade do paciente, com o objetivo de garantir o consumo adequado de nutrientes e desestimular o consumo de industrializados e ultraprocessados.

Paralelamente, em uma esfera coletiva, o pediatra e suas sociedades de classe têm o papel de advogar por políticas públicas que combatam a insegurança alimentar, pressionando os governos por melhor regulamentação e fiscalização.

Dia Mundial da Alimentação

A data do Dia Mundial da Alimentação foi criada pela FAO para mobilizar esforços coletivos globais (governos e sociedade civil) para que todas as pessoas, sem exceção, tenham acesso à comida de verdade.

O tema de 2025 “De mãos dadas por melhores alimentos e um futuro melhor” enfatiza a importância da colaboração global para criar sistemas agroalimentares sustentáveis e garantir segurança alimentar para todos.

A campanha convida governos, organizações, setores e comunidades a trabalharem juntos para transformar o modo como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos.

Nesse sentido, políticas que proíbem a propaganda de ultraprocessados para crianças e programas que incentivam hortas e alimentação saudável nas escolas são também investimentos essenciais no nosso futuro.

Estes produtos ultraprocessados, frequentemente mais acessíveis e amplamente comercializados, nos afastam da essência do comer. Eles escondem a jornada do alimento, da semente ao prato. Esquecemos que a comida vem da terra, e que nós, seres humanos, somos parte integrante e dependente desse ciclo. A terra nos fornece nutrientes, energia e sabores, e nossa parte neste pacto é retribuir com cuidado e respeito.

Recuperar essa conexão com a natureza é um ato de resistência. É reconhecer o saber dos povos originários e das comunidades tradicionais, que ainda mantêm um diálogo sagrado com a terra. É apoiar a agricultura familiar e os pequenos produtores, que são guardiões não apenas de sementes, mas de conhecimentos insubstituíveis.

A fome e a degradação ambiental são duas faces da mesma moeda, um ponto reforçado pela ONU. Não podemos almejar a erradicação da fome sem pensar na sustentabilidade do sistema que produz nossa comida. A segurança alimentar e nutricional só será alcançada quando garantirmos que todos tenham acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente, de modo a atender suas necessidades e preferências culturais.

Para mudar essa realidade, é crucial entender que os sistemas agroalimentares que predominam hoje, como a monocultura, são, ao mesmo tempo, vítimas e causadores de crises. Eles são altamente vulneráveis aos desastres climáticos, mas também contribuem significativamente para a degradação do solo, a perda de biodiversidade e as emissões de gases de efeito estufa. Esta constatação aponta também a solução: ao transformar os sistemas agroalimentares, temos um potencial enorme para mitigar as mudanças climáticas, construir futuros mais resilientes e ampliar a segurança alimentar no planeta.

Para trilharmos esse caminho, é imperativo:

  • Apoiar a transição para sistemas agroalimentares sustentáveis, que produzam alimentos diversificados e nutritivos, acessíveis a todos.
  • Regular as indústrias de alimentos ultraprocessados e de agrotóxicos.
  • Proteger as crianças com leis que restrinjam a publicidade abusiva.
  • Fortalecer a agricultura familiar e os pequenos produtores, que são guardiões da biodiversidade e das tradições alimentares.
  • Investir em programas de educação alimentar e nutricional desde a primeira infância, dentro das escolas e nas unidades de saúde, envolvendo famílias e comunidades.
  • Criar e fomentar ambientes alimentares saudáveis em escolas, hospitais e espaços públicos, garantindo que a escolha nutritiva seja a escolha mais fácil.
  • Desenvolver campanhas de mídia de massa que alertem sobre os riscos do consumo de ultraprocessados e valorizem a culinária caseira e os alimentos regionais.

Que este Dia Mundial da Alimentação nos inspire a buscar um futuro em que a comida de qualidade, livre de venenos e de processamentos excessivos, seja um direito garantido a todos.

Um futuro em que o ato de se alimentar seja, novamente, um momento de comunhão: com os que estão à nossa mesa, com as tradições de nossos antepassados e com a terra que generosamente nos sustenta. Que possamos honrar o ciclo, cuidando daquilo que nos nutre, desde os primeiros mil dias de vida até a velhice, construindo uma sociedade mais justa, saudável e conectada.

Fontes referenciadas (para consulta):

  • IBGE (PNAD Contínua 2023):Para dados de insegurança alimentar no Brasil.
  • Ministério da Saúde (SISVAN/VIGITEL):Para dados sobre obesidade infantil e prevalência de doenças crônicas.
  • Organização Mundial da Saúde (OMS):Para dados globais sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) e diretrizes sobre nutrição.
  • The Lancet:Para as séries de estudos sobre “Nutrição no Primeiro Período Crítico” e o impacto da nutrição no desenvolvimento infantil
  • FAO/ONU:Para dados globais sobre fome (733 milhões), custo de dieta saudável (2,8 bi) e a relação entre sistemas alimentares e mudança climática.
  • Declaração Universal dos Direitos Humanos:Para a base do direito humano à alimentação