Este ano, o debate sobre as mudanças climáticas e o impacto que elas causam na saúde foram ainda mais intensos devido à realização da COP30 no Brasil – Conferência das Nações Unidas sobre o clima. O Departamento de Nutrologia Pediátrica da SOPERJ, presidido pela Dra. Maria Carolina Pinho, elaborou um artigo abordando os efeitos dessa crise ambiental na saúde infantil destacando a relação à alimentação.
Os efeitos da crise ambiental na saúde de crianças e adolescentes
O tema das mudanças climáticas e seus efeitos na saúde das crianças, especialmente no que diz respeito à alimentação, tem ganhado destaque nas discussões atuais. Os estudos mostram que esse assunto está diretamente ligado à saúde ambiental e às políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN), ou seja, ao acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis.
As pesquisas científicas mais recentes apontam que estamos diante de uma crise interconectada, em que problemas ambientais, sociais e de saúde se combinam, fenômeno conhecido como sindemia.
O termo sindemia é usado para descrever situações em que diversos problemas de saúde acontecem ao mesmo tempo e se reforçam entre si, geralmente agravados por fatores sociais, econômicos e ambientais. No caso das crianças, isso significa que as mudanças climáticas, a má alimentação e as desigualdades sociais não são desafios isolados — elas se somam e amplificam os riscos à saúde infantil.
Por exemplo, o aumento das temperaturas e as secas frequentes podem reduzir a produção de alimentos, levando à insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, o consumo crescente de produtos ultraprocessados e a menor oferta de alimentos frescos e acessíveis contribuem para o aumento da obesidade infantil e da deficiência de micronutrientes. Esses fatores, juntos, afetam o crescimento, o desenvolvimento e a imunidade das crianças, criando um ciclo difícil de quebrar.
Por isso, compreender a sindemia entre clima, alimentação e saúde infantil é essencial para formar profissionais capazes de atuar com uma visão ampla, integrando educação em saúde, políticas públicas e práticas sustentáveis que protejam as gerações futuras.
O Fenômeno Sindêmico e o Sistema Alimentar
A relação entre sistema alimentar, crise climática e obesidade configura-se como um fenômeno sindêmico global. Nesse contexto, crises globais distintas – obesidade, fome/subnutrição e crise climática – interagem e compartilham determinantes estruturais comuns.
O modo como os sistemas alimentares estão organizados atualmente contribui para a intensificação da crise climática, pois a produção intensiva de commodities agrícolas e a ampla oferta de alimentos ultraprocessados geram emissões significativas de gases de efeito estufa, desmatamento e degradação ambiental.
Impactos Diretos das Mudanças Climáticas na Alimentação e Nutrição Infantil
Os efeitos das mudanças climáticas comprometem a produção agrícola, o que tem consequências diretas na alimentação da população:
- Acesso e Preços: As alterações climáticas impactam no preço dos alimentos, criando barreiras no sistema alimentar que podem reduzir o acesso à alimentação adequada e saudável. Isso, por sua vez, influencia significativamente o padrão de consumo, contribuindo para o aumento da obesidade no país.
- Insegurança Alimentar e Desnutrição: A insegurança alimentar é agravada por eventos climáticos extremos. Secas prolongadas e a perda de biodiversidade intensificam a insegurança alimentar, o que compromete o crescimento das crianças. Essas condições aumentam a prevalência de déficit nutricional, anemia e atrasos no desenvolvimento cognitivo.
- Doenças de Veiculação: Eventos extremos, como enchentes e ciclones, contribuem para o aumento de doenças infecciosas de veiculação hídrica e alimentar.
O Paradoxo da Obesidade e a Vulnerabilidade Infantil
No cenário global, as mudanças climáticas expõem as crianças (junto a idosos e grupos vulneráveis) a efeitos adversos. As crianças estão entre as mais vulneráveis devido a fatores fisiológicos, imunológicos e socioeconômicos.
O cenário epidemiológico reflete um paradoxo global: pela primeira vez, a obesidade superou a prevalência de baixo peso entre crianças e adolescentes em idade escolar (9,4% contra 9,2% em 2025). Essa transição global, onde a obesidade já supera o baixo peso na maioria das regiões (exceto África Subsaariana e Sul da Ásia), reforça a urgência de políticas que articulem a segurança alimentar, a equidade social e a promoção da saúde.
Resposta Política e Ética
Diante desse complexo cenário de desigualdades, desafios do sistema alimentar e a influência dos determinantes sociais e ambientais, a Estratégia Intersetorial de Prevenção da Obesidade do Brasil foi atualizada para tratar a obesidade como uma questão social e interseccional.
Entre os objetivos dessa Estratégia, destacam-se aqueles focados na nutrição infantil e na criação de ambientes saudáveis:
* Incentivar a amamentação exclusiva até os seis meses e continuada.
* Incentivar a diversidade da alimentação complementar e a redução da exposição e do consumo de alimentos ultraprocessados
* Reduzir a prevalência de obesidade em crianças.
* Aumentar o acesso e o consumo de alimentos *in natura* ou minimamente processados.
* Promover ambientes alimentares e espaços urbanos mais saudáveis, especialmente em áreas de desertos e pântanos alimentares.
Sob a perspectiva bioética, a inação diante das mudanças climáticas que prejudicam a alimentação e o desenvolvimento infantil constitui uma forma indireta de maleficência. O Princípio da Beneficência impõe o dever de implementar estratégias de mitigação e adaptação climática que assegurem condições adequadas para o desenvolvimento infantil, incluindo políticas de segurança alimentar. A crise climática levanta uma questão ética global de justiça intergeracional e distributiva, pois crianças de baixa renda sofrem desproporcionalmente, apesar de contribuírem menos para as emissões de gases de efeito estufa.
Referências:
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Estratégia de Prevenção da Obesidade. Brasília: MDS; 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/promocao-da-alimentacao-adequada-e-saudavel/estrategia-de-prevencao-da-obesidade/estrategia-de-prevencao-da-obesidade
Sociedade Brasileira de Pediatria. Anamnese Ambiental em Pediatria – Atualização e Expansão: Análise dos Efeitos Deletérios e dos Referenciais Éticos [manual de orientação]. Rio de Janeiro: SBP; 2025 Nov 03. ISBN: 978-85-88520-66-0. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/sbp/2025/novembro/03/_25088d-MO_ISBN_-_Anamnese_Ambiental_em_Pediatr.pdf

