O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por déficits persistentes na comunicação social e por padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades. Seu espectro amplo abrange manifestações muito variadas quanto à gravidade, habilidades cognitivas e linguísticas, e níveis de independência funcional.¹
Estima-se que sua prevalência esteja em crescimento, o que suscita debates sobre fatores ambientais, genéticos e mudanças nos critérios diagnósticos utilizados atualmente. De acordo com dados norte-americanos, a cada 36 nascimentos, um apresenta o diagnóstico de TEA.² No Brasil, são projetados 2 milhões de brasileiros com o diagnóstico, representando 1% da população.
A etiologia envolve uma complexa interação entre fatores hereditários e ambientais, influenciados por mecanismos epigenéticos. Mais de 800 genes e dezenas de síndromes genéticas estão associados ao TEA. Novas descobertas sobre interações entre genes e proteínas, aliadas a análises de vias metabólicas e funções moleculares, identificaram diversas vias funcionais envolvidas.³
Evidências atuais sugerem que diversos fatores ambientais que eram tidos como prováveis causas, como vacinação, tabagismo materno, exposição ao timerosal e reprodução assistida, não estão relacionados com aumento do risco. Por outro lado, a idade parental avançada, complicações no parto associadas a trauma ou isquemia e hipóxia demonstraram forte associação com o transtorno.⁴
Estima-se que cerca de 50% dos indivíduos com TEA apresentem deleções ou duplicações cromossômicas, síndromes identificadas ou distúrbios monogênicos. As condições comportamentais e psiquiátricas observadas no autismo, influenciadas por fatores genéticos, impactam diretamente as avaliações clínicas, o aconselhamento genético, os diagnósticos, as intervenções terapêuticas e as abordagens de tratamento. Atualmente, já é possível realizar testes de farmacogenética com o objetivo de auxiliar na escolha de medicamentos psicotrópicos para o manejo de comportamentos desafiadores ou condições psiquiátricas frequentemente associadas ao TEA.³
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado em critérios observacionais e histórico de desenvolvimento a serem categorizados de acordo com o DSM-5-TR. Instrumentos padronizados, como a Autism Diagnostic Observation Schedule (ADOS) e a Autism Diagnostic Interview-Revised (ADI-R), são frequentemente utilizados para apoiar a avaliação. Ainda assim, não existem biomarcadores específicos que confirmem o diagnóstico, o que impõe desafios, sobretudo em populações com acesso limitado a serviços especializados.⁵
As melhores práticas atuais para intervenções em crianças com menos de três anos de idade com suspeita ou diagnóstico confirmado devem incluir uma combinação de abordagens comportamentais e do desenvolvimento, iniciando-se o mais precocemente possível, com a participação ativa das famílias e/ou cuidadores como parte integrante da intervenção.⁶
Além disso, as intervenções devem promover o progresso do desenvolvimento e melhorar o funcionamento relacionado tanto às características centrais quanto às associadas ao transtorno, incluindo a comunicação social, a regulação emocional e comportamental, bem como os comportamentos adaptativos.⁶
De acordo com uma revisão recente sobre práticas em crianças e adultos com TEA, foram identificadas 28 práticas baseadas em evidências no tratamento, incluindo as mais recentes categorias: intervenção de momentum comportamental, instrução direta, intervenção mediada por música, integração sensorial e comunicação aumentativa e alternativa. Alguns tratamentos farmacológicos mostram-se promissores na melhora da comunicação e interação social, como a ocitocina, bumetanida, inibidor de acetilcolinesterase e memantina.⁷
Várias intervenções dietéticas foram estudadas, incluindo dieta de eliminação, dieta cetogênica e outros suplementos. Uma dieta de eliminação gera preocupações devido à potencial deficiência de nutrientes. Vários estudos sugerem que uma dieta cetogênica em crianças e adolescentes reduziu efetivamente a frequência de convulsões na epilepsia refratária, que pode estar associada ao TEA. Vale ressaltar que vitaminas ou suplementos consumidos em excesso podem causar danos não intencionais e efeitos colaterais aos pacientes. Embora muitos pacientes com TEA tenham insuficiências nutricionais, é importante aconselhar os pacientes e familiares sobre os perfis de efeitos colaterais dos suplementos e fazer recomendações com base em deficiências específicas.⁷
No dia 02 de abril, celebra-se o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Avanços na educação de crianças autistas são o primeiro passo na tentativa de inclusão desses pacientes. Além disso, o enfrentamento do estigma ainda é um aspecto central para a promoção de uma sociedade mais inclusiva.
Referências bibliográficas:
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- Walensky RP, Bunnell R, Kent CK, Gottardy AJ, Leahy MA, Martinroe JC, et al. Prevalence and characteristics of autism spectrum disorder among children aged 8 years—Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 sites, United States, 2020. MMWR Surveill Summ. 2020;69(4):1–12.
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- Modabbernia A, Velthorst E, Reichenberg A. Environmental risk factors for autism: an evidence-based review of systematic reviews and meta-analyses. Mol Autism. 2017;8:13.
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Autor: Caio José de Araujo Simas
Grupo de Trabalho de Otorrinolaringologia