Ao contrário do que muitos pensam, crianças e adolescentes também podem ter “reumatismo” e, não somente adultos e idosos. E os “reumatismos” ou doenças reumáticas não causam apenas inflamação das juntas (articulações). Algumas doenças reumáticas podem causar inflamação em várias outras partes do corpo (pele, rins, cérebro, coração, olhos, sangue) e sintomas como febre, perda de peso e fraqueza nos músculos.
Acredita-se que cerca de 25% das doenças reumáticas ocorram em pessoas com menos de 16 anos de idade. Dentre as mais comuns, destacam-se a febre reumática e a artrite idiopática juvenil. Mas outras doenças como o lúpus, a dermatomiosite, a esclerodermia, as vasculites, a fibromialgia juvenil, dentre várias outras, também podem ocorrer nos pequenos.
Algumas destas doenças reumáticas são difíceis de diagnosticar e às vezes são desconhecidas pelos familiares e até pelos profissionais de saúde. Não raramente os sintomas são atribuídos a traumas, ao crescimento ou a questões emocionais. Isso pode causar um atraso significativo antes que um diagnóstico correto seja feito.
A febre reumática é causada por uma infecção de garganta (amigdalite, faringite), ocasionada pela bactéria Streptococcus pyogenes (estreptococo). Representa a principal causa de problemas cardíacos adquiridos na infância, no Brasil. Uma tendência genética que já nasce com a criança associada ao tratamento inadequado da amigdalite (remédio errado ou por tempo curto) é que causam a febre reumática. A febre reumática pode causar inflamação das juntas, (artrite), do coração (cardite), da pele e do sistema nervoso (coreia). Os principais sintomas são: dor forte e inchaço nas juntas, por vezes com grande dificuldade ou incapacidade de andar; cansaço, falta de ar, coração acelerado e sopros no coração; caroços (nódulos) na pele; manchas vermelhas na pele, que aparecem e desaparecem; perda do controle dos movimentos do corpo. O diagnóstico é feito através dos sintomas apresentados pela criança, junto com exames de sangue, eletrocardiograma e ecocardiograma. Feito o diagnóstico, é essencial evitar que ocorram novas infecções de garganta pela bactéria estreptococo, através da injeção de penicilina benzatina a cada 21 dias.
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ), também conhecida pelo nome antigo de artrite reumatoide juvenil – é a causa mais comum de artrite crônica (inflamação de uma ou mais juntas, por mínimo de 6 semanas) da infância. A AIJ pode ser de 7 diferentes tipos e os sintomas variam de acordo com o tipo que a criança apresenta. As principais manifestações são: dor nas juntas, inchaço, rigidez para se movimentar ao acordar (rigidez matinal), dificuldade ou incapacidade de movimentar as articulações, mancar, redução da atividade física e das brincadeiras. Alguns tipos também podem apresentar febre alta por mais de 2 semanas sem causa conhecida, manchas vermelhas na pele, inflamação dos olhos, inflamação da membrana que reveste o coração (pericardite) ou os pulmões (pleurite), ínguas inchadas ou aumento do fígado e do baço
Mas quando devemos suspeitar que uma criança possa ter uma doença reumática? Sempre que houver:
- Dor, inchaço, vermelhidão, dificuldade de movimentar ou rigidez nas juntas, braços ou pernas, sobretudo se ocorrer logo pela manhã ou quando a criança está parada
- Quedas e tropeços frequentes
- Impossibilidade de realizar atividades rotineiras como correr, brincar, ou se vestir
- Febre prolongada ou recorrente
- Perda de peso e atraso no crescimento
- As crianças com suspeita de doença reumática devem ser encaminhadas ao reumatologista pediátrico. As crianças não são apenas pequenos adultos. As doenças da criança são diferentes das dos adultos, podem ter tratamentos, evolução e complicações diferentes.
Há anos atrás, a medicina tinha poucos tratamentos a oferecer às crianças com doenças reumáticas, mas devido às pesquisas focadas em doenças reumáticas da infância e novos medicamentos, testados especificamente em crianças, a maioria das crianças que recebem tratamento medicamentoso e multidisciplinar (fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição, psicologia, ortopedia, oftalmologia) precoces podem alcançar o controle dos sintomas (mas não a cura ainda), com pouca ou nenhuma sequela, e levando uma vida praticamente normal.
Dra. Adriana Rodrigues Fonseca
Reumatologista Pediátrica do IPPMG/UFRJ
Presidente do Departamento Científico de Reumatologia Pediátrica da SOPERJ 2019-2021