Habilitação e Reabilitação Visual na Infância: Uma Perspectiva Funcional

A visão constitui um dos principais sistemas sensoriais envolvidos no desenvolvimento infantil. Através dela, a criança explora o ambiente, identifica pessoas e objetos, estabelece relações espaciais e constrói significados. Trata-se de uma função neuroperceptiva aprendida, modulada pela maturação do sistema visual e pela qualidade das experiências sensoriais a que a criança é exposta, podendo sua qualidade ser melhorada com a Estimulação visual.

  1. Qual a contribuição da terapia ocupacional em crianças com baixa visão?

A Terapia Ocupacional direcionada à baixa visão pediátrica atua na interface entre função visual, função motora e ocupações significativas da criança (brincar, interação social, mobilidade, atividades educacionais e autocuidado). O Terapeuta ocupacional intervém através da estimulação e integração das funções visuais, fornecendo às crianças experiências sensório-motoras adequadas à exploração  funcional e ao desenvolvimento  global.

  1. Qual a abordagem utilizada?

A abordagem inicia-se com uma avaliação funcional da visão, centrada em um processo de observação informal do comportamento  visual, da qualidade da recepção/assimilação/integração e elaboração  dos estímulos visuais em termos perceptivos.
São analisados:

  • Processos de recepção visual (atenção ao estímulo, fixação, seguimento ocular);
  • Processos de assimilação e integração (capacidade de discriminar, comparar, reconhecer e interpretar informações visuais);
  • Resposta perceptiva elaborada (uso do estímulo visual para orientar ações motoras, posturais ou cognitivas).

Essa avaliação não se limita a testes sistematizados: envolve a análise qualitativa de como a criança emprega a visão para interagir com o ambiente e resolver tarefas.

  1. Como essa avaliação é realizada?

A avaliação funcional investiga o uso da visão nas principais áreas de ocupação:

  • Brincar: escolha de objetos, manipulação, organização espacial e orientação visual.
  • Mobilidade: exploração do espaço, localização de referências, ajustes posturais e equilíbrio.
  • Atividades pedagógicas: leitura, escrita, reconhecimento de formas, símbolos e cores.
  • Atividades de vida diária: alimentação, higiene, vestuário e organização do ambiente.

São observadas as funções visuais básicas (fixação, seguimento, campo visual), bem como componentes viso-motores (coordenação olho-mão) e viso-perceptivos (discriminação, constância, memória visual, figura-fundo).
A análise inclui:

  • Nível de consciência visual (atenção ao estímulo),
  • capacidade de decodificação (atribuição de significado),
  • eficiência de uso frente a variáveis como luz, contraste, forma, cor e complexidade ambiental.
  1. Quais atividades são utilizadas na estimulação visual ?

O planejamento terapêutico é individualizado. O terapeuta analisa cada atividade considerando:

  • as exigências motoras,
  • o grau de complexidade perceptiva,
  • as demandas cognitivas,
  • e a etapa do desenvolvimento visual, motor e neuropsicomotor da criança.

É essencial avaliar de forma rigorosa a qualidade e a quantidade das experiências visuais prévias da criança, a fim de evitar tanto a subestimulação, que limita a construção das habilidades perceptivas, quanto a sobrecarga sensorial, que pode comprometer a integração funcional dos estímulos visuais.

Sugestões de adaptações e intervenções terapêuticas com impacto funcional no cotidiano

  • Uso de contrastes altos no ambiente: fitas isolantes nas grades do berço, meias listradas (preto/amarelo), capas de mamadeira com contraste, móbiles com cores contrastantes.
  • Materiais cotidianos contrastantes: pratos e copos com cores diferentes da mesa para facilitar o reconhecimento visual.
  • Exploração multissensorial: brinquedos com texturas variadas, cores vibrantes, alto contraste, luz intermitente ou som.
  • Foco dirigido de luz: lanterna em superfícies, objetos e partes do corpo, parede e objetos, para orientar o olhar.
  • Variações posturais: berço, tapete ou carrinho, estimulando a criança a reorganizar o campo visual.

 Crianças maiores: adaptações pedagógicas

  • Cadernos com pautas ampliadas
  • Lápis de grafite macio (6B) para maior contraste
  • Pranchas inclinadas (facilitam o ângulo de visão e reduzem esforço cervical)
  • Tiposcópio (guia de leitura)
  • Guias de escrita

Essas adaptações favorecem a eficiência visual, reduzem esforço perceptivo e ampliam a autonomia escolar.

  1. Papel da família

A participação da família é um elemento central. A continuidade das atividades no domicílio potencializa o aprendizado perceptivo e acelera a consolidação das habilidades. A orientação clara aos cuidadores sobre como organizar o ambiente, selecionar estímulos adequados e encorajar a exploração visual faz parte do próprio processo terapêutico