Manifestações Otorrinolaringológicas na Síndrome de Down

A Síndrome de Down (SD), ocasionada pela trissomia do cromossomo 21, é caracterizada por um quadro clínico que afeta diversos sistemas, incluindo o otorrinolaringológico.

As principais manifestações otorrinolaringológicas incluem comprometimentos da via aérea, distúrbios do sono, alterações otológicas, disfagia e dificuldades no desenvolvimento da linguagem.¹

Apneia Obstrutiva do Sono

A Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) é caracterizada pela obstrução parcial ou completa da passagem de ar pelas vias aéreas superiores, decorrente de múltiplos fatores anatômicos e funcionais. Entre as causas mais frequentes, destacam-se macroglossia, queda da base da língua, hipertrofia adenoamigdaliana, hipoplasia maxilar e mandibular, hipotonia muscular e obesidade.¹ Além disso, comorbidades como hipotireoidismo, refluxo gastroesofágico e infecções respiratórias recorrentes podem contribuir para o desenvolvimento da AOS.²

O diagnóstico padrão-ouro é realizado por meio da polissonografia, exame que avalia diversos parâmetros durante o sono, incluindo a quantificação de episódios de apneia ou hipopneia.³ De acordo com os critérios da Academia Americana de Medicina do Sono, a apneia do sono em crianças é definida quando o Índice de Apneia e Hipopneia (IAH) é maior ou igual a um evento por hora, sendo classificada em leve (IAH 1–5), moderada (IAH 5–10) e severa (IAH > 10).⁴

A Academia Americana de Pediatria recomenda a realização da polissonografia em todas as crianças com Síndrome de Down até os quatro anos. A prevalência estimada da AOS nessa população é de 30% a 70%, superior à prevalência de doenças cardíacas congênitas, hipotireoidismo e neoplasias hematológicas, que são rastreadas de maneira mais precoce.⁵ Tal discrepância sugere que a AOS pode ser subdiagnosticada em crianças menores, especialmente nos casos mais graves, devido às características anatômicas e funcionais dos bebês, que podem intensificar o quadro clínico.²

O acesso à polissonografia, contudo, é limitado devido à complexidade do exame, seu custo elevado e à dificuldade de encontrar laboratórios de sono que atendam à faixa etária pediátrica. Em razão disso, métodos alternativos podem ser empregados como ferramentas de triagem, incluindo gravações de vídeo do sono da criança, oximetria de pulso noturna e polissonografia breve diurna. Embora esses métodos não confirmem o diagnóstico, eles podem sugerir a presença de distúrbios respiratórios obstrutivos.⁶ ⁷

A nasofibrolaringoscopia é um exame que auxilia na avaliação da AOS. Esse procedimento, realizado por um otorrino em consultório, utiliza uma ótica flexível introduzida pela fossa nasal para examinar toda a via aérea superior (fossas nasais, faringe e laringe), identificando possíveis pontos de estreitamento. Também pode ser realizado sob sedação leve em ambiente cirúrgico, mimetizando um sono natural, para uma análise mais detalhada dos pontos de obstrução (sonoendoscopia).⁷

O tratamento principal da AOS é a adenoamigdalectomia. Contudo, devido às características clínicas específicas da SD, como hipotonia muscular e obstruções anatômicas, a chance de AOS residual é consideravelmente maior. Outros tratamentos, como turbinectomia (redução das conchas nasais inferiores), faringoplastia, tonsilectomia lingual, epiglotoplexia, uso de aparelhos de pressão positiva e até traqueostomia, podem ser considerados e devem ser individualizados de acordo com o quadro clínico de cada paciente.¹

Alterações Otológicas

Indivíduos com Síndrome de Down apresentam alta prevalência de alterações otológicas, que impactam negativamente na audição e no desenvolvimento da linguagem, além de aumentarem o risco de otites médias. Estudos apontam que aproximadamente 75% dessa população desenvolvem perda auditiva ao longo da vida e 50% a 70% apresentam episódios de otite média.³

A triagem auditiva neonatal em pacientes com SD deve ser realizada por meio do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Automático. Caso haja falha no exame inicial, recomenda-se prosseguir com investigações adicionais.⁸ Ainda que o exame inicial seja normal, é necessário o acompanhamento audiológico semestral durante os primeiros cinco anos de vida.⁹

A perda auditiva do tipo condutiva é a mais comum, geralmente relacionada à presença de efusão na orelha média. Contudo, perdas auditivas neurossensoriais e malformações da orelha interna também podem ocorrer.⁹ A otite média secretora é mais prevalente nessa população devido a alterações anatômicas e funcionais que resultam em disfunção da tuba auditiva e dificuldade de ventilação da orelha média, favorecendo a retenção de secreções.

Adicionalmente, é frequente o estreitamento do conduto auditivo externo, o que facilita o acúmulo de cerume e dificulta a realização da otoscopia e a visualização adequada da orelha média.¹

Portanto, o acompanhamento otorrinolaringológico regular é essencial para minimizar o impacto dessas manifestações na saúde e no desenvolvimento das crianças com Síndrome de Down.

Referências:

  1. Miura ET, Miura N, Rosito LPS, Manzoni-de-Almeida D, Anselmo-Lima WT. Avaliação da criança com síndrome de Down. In: Otorrinolaringologia Pediátrica. São Paulo: Edusp; 2010.
  2. Seither K, Helm BM, Heubi C, Simakajornboon N, Worley S, Shott SR, et al. Sleep apnea in children with Down syndrome. Pediatrics. 2023;151(3):e2022058771.
  3. Bull MJ, Trotter T, Santoro SL, Christensen C, Grout RW; The Council on Genetics. Health supervision for children and adolescents with Down syndrome. Pediatrics. 2022;149(5):e2022057010.
  4. Iber C, Ancoli-Israel S, Chesson AL Jr, Quan SF. The AASM manual for the scoring of sleep and associated events: rules, terminology and technical specifications. Westchester, IL: American Academy of Sleep Medicine; 2007.
  5. Bull MJ, Trotter T, Santoro SL, Christensen C, Grout RW; The Council on Genetics. Health supervision for children and adolescents with Down syndrome. Pediatrics. 2022;149(5):e2022057010. doi:10.1542/peds.2022-057010.
  6. Coverstone AM, Bird M, Sicard M, Tao Y, Grange DK, Cleveland C, et al. Overnight pulse oximetry for evaluation of sleep apnea among children with trisomy 21. J Clin Sleep Med. 2014;10(12):1303–8. doi:10.5664/jcsm.4286.
  7. Balbani APS, Weber SAT, Montovani JC. Atualização em síndrome da apneia obstrutiva do sono na infância. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2005;71(1):74–80. doi:10.1590/S0034-72992005000100013.
  8. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção da triagem auditiva neonatal. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
  9. Bassett EC, Musso MF. Otolaryngologic management of Down syndrome patients: what is new? Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;25(6):493–7. doi:10.1097/MOO.0000000000000415.

Autor: Majoy Gonçalves Couto da Cunha
Grupo de Trabalho de Otorrinolaringologia