Departamento científico de Adolescência SOPERJ (gestão 2025-2028)
Presidente do DC: Denise Freitas
Relatores: Cristiane Murad, Michel Wassersten e Marcelo Riccio Facio
O acompanhamento de adolescentes atletas
A consulta do adolescente é um momento muito oportuno para estimular hábitos de vida saudáveis e que perdurarão por toda a vida adulta. Considerando o contexto atual em que o sedentarismo e o uso excessivo de telas representam desafios crescentes, o pediatra atua como elo entre saúde, educação e exercício físico, promovendo estilos de vida ativos e assegurando que a prática esportiva seja instrumento de saúde, inclusão e formação integral. Crianças e adolescentes que foram adequadamente estimulados e completaram sua alfabetização esportiva tendem a permanecer adultos ativos.
Compreender os principais benefícios da prática esportiva permite ao pediatra utilizá-la como ferramenta de incentivo e adesão à atividade física. Entre os ganhos físicos, destacam-se o desenvolvimento das habilidades e da coordenação motora, a melhora da função cardiorrespiratória, além de efeitos positivos sobre a composição corporal, o tônus muscular e a densidade óssea. Já no âmbito psicológico e social, a prática esportiva está associada à redução do tempo de tela, ao fortalecimento da autoconfiança, à satisfação pessoal e à melhor socialização.
O pediatra é fundamental em várias etapas da relação do adolescente com a prática de esportes. Durante a iniciação esportiva recomenda-se respeitar as habilidades e interesses individuais e estimular a formação de um repertório motor amplo através de modalidades diversas e prazerosas. A especialização precoce em uma única modalidade esportiva não deve ser incentivada inicialmente.
O pediatra tem o papel de ajudar o adolescente e sua família a escolher os esportes, levando em conta fatores como segurança, hidratação e nutrição. Essa decisão deve considerar aspectos individuais, como o tamanho e a composição corporal, as características musculares e ósseas, o nível de maturação biológica, a força e as habilidades motoras, além da maturidade emocional, social e cognitiva.
A avaliação pré-participação esportiva deve ter natureza inclusiva com o pediatra contribuindo para adaptar às recomendações de acordo com as características e limitações de cada adolescente. A Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte recomenda o exame físico detalhado precedido de anamnese dirigida que permitam identificar condições de risco, em especial cardiopatias relacionadas à morte súbita. Para esporte organizado, alto rendimento e profissional, a realização do eletrocardiograma é obrigatória.
A avaliação pré-participação muitas vezes representa a única oportunidade de contato do adolescente com o médico, especialmente diante da tendência atual de redução das consultas médicas nessa faixa etária. Esse momento deve ser aproveitado de forma abrangente, não apenas para liberar a prática esportiva, mas também para avaliar o estado geral de saúde, identificar fatores de risco, orientar sobre hábitos saudáveis e abordar temas sensíveis da adolescência, como sono, alimentação, imagem corporal e uso de substâncias.
Além disso, é uma oportunidade para orientar as famílias sobre os benefícios e riscos inerentes de alguns esportes, contribuindo para a prevenção de agravos físicos e psicológicos e consiste, ainda, em um espaço privilegiado para esclarecer as transformações da puberdade, desconstruir mitos e ajustar expectativas em relação às mudanças corporais e ao desempenho esportivo. Cabe ao pediatra acompanhar o crescimento, desenvolvimento e maturação, identificar precocemente possíveis alterações e tranquilizar atletas, famílias e treinadores para as variações normais do crescimento.
Também é papel do pediatra acompanhar o volume, a intensidade e a progressão dos treinos e reforçar a importância de supervisão profissional adequada e de momentos regulares de descanso.
Durante esse acompanhamento, devemos estar atento aos sinais de sobrecarga e excesso de treinamento, que podem evoluir para a síndrome do overtraining — caracterizada por cansaço persistente, aumento na frequência de lesões, dores musculares e articulares, além de alterações do sono, humor e apetite. O adolescente pode apresentar queda no rendimento esportivo e desmotivação para treinar ou frequentar a escola.
Em casos mais graves, o quadro pode evoluir para o burnout esportivo, um estado de esgotamento físico e emocional associado a alterações hormonais e psicológicas. Nessas situações, é essencial um acompanhamento multiprofissional e interdisciplinar, visando à recuperação integral da saúde e ao resgate do prazer pela prática esportiva.
Para o processo de prevenção de lesões agudas e lesões por sobrecarga devemos avaliar os fatores de risco individuais, como desequilíbrios e assimetrias musculares e déficit de força ou de flexibilidade. Torna-se válida a implementação de ações e programas preventivos e, no caso de lesão, a supervisão do retorno às atividades.
Por fim, é necessário orientar os responsáveis sobre a importância de respeitar a escolha do adolescente. Quando a prática esportiva é imposta ou motivada apenas pelo desejo dos pais, o jovem pode se sentir pressionado, frustrado e desenvolver sofrimento psíquico em função dessa expectativa excessiva.
O comportamento dos pais em público e nas redes sociais é um tema cada vez mais sensível e atual. A forma como os adultos expressam suas opiniões ou cobranças pode influenciar diretamente na autoestima e no prazer do adolescente em praticar esportes, sendo um desafio para todos os profissionais envolvidos na formação esportiva e emocional de adolescentes atletas.
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