A cegueira e a baixa visão na infância representam importantes problemas de saúde pública. A visão é um dos principais motores do desenvolvimento motor, cognitivo, social e linguístico, e qualquer comprometimento visual precoce pode gerar sequelas permanentes.
Segundo estimativas globais da OMS, existem aproximadamente 1,4 milhão de crianças cegas no mundo e ocorrem especialmente em países de baixa e média renda, onde causas evitáveis permanecem prevalentes.
As principais causas de cegueira nas crianças brasileiras são:
- Glaucoma congênito
- Toxoplasmose congênita ocular
- Catarata congênita
- Retinopatia da prematuridade
- Alterações do nervo óptico
- Deficiência visual de origem cortical
- Em menor proporção: distrofias retinianas / maculares e outras malformações oculares ou congênitas.
- Por que o diagnóstico precoce é tão importante?
O sistema visual passa por intensa maturação na primeira década de vida, com alta plasticidade até os 7 ou 8 anos de idade. A máxima plasticidade ocorre entre 0 e 2 anos de idade.
Alterações visuais precoces interferem no desenvolvimento psicomotor, na interação social, no aprendizado e na aquisição de habilidades cognitivas. Estímulos inadequados ou ausentes podem levar a:
- Deficiência visual permanente,
- Atraso cognitivo e motor,
- Prejuízo de linguagem,
- Dificuldades de interação social.
Intervenções precoces podem alterar o curso do neurodesenvolvimento e evitar danos permanentes — motivo pelo qual o pediatra é o primeiro filtro para identificar sinais precoces de baixa visão.
- Definições práticas para pediatras
Cegueira: Segundo a OMS, ocorre quando a acuidade visual corrigida é inferior a 20/400 (0,05) no melhor olho ou campo visual restrito (menor que 10 graus)
Visão subnormal: Ocorre quando a acuidade visual corrigida no melhor olho fica entre 20/400 ( e 20/60 (0,3) ou o campo visual é menor que 20 graus.
- As principais causas de cegueira e deficiência visual na infância
As causas variam por região e contexto socioeconômico. Em países como o Brasil, predominam causas evitáveis e tratáveis, se diagnosticadas precocemente:
- Causas tratáveis
- Catarata congênita (idealmente operada até 6–8 semanas).
- Glaucoma congênito.
- Retinopatia da prematuridade (ROP).
- Doenças infecciosas congênitas (toxoplasmose, rubéola, CMV).
- Ptose grave ou opacidades que gerem privação visual.
- Ambliopia (estrabismo, anisometropia, privação).
- Causas não tratáveis / genéticas
- Distrofias retinianas
- Malformações oculares (microftalmia, colobomas).
- Neuropatias ópticas hereditárias.
- Deficiência visual cortical
Atualmente uma das causas mais frequentes de baixa visão em prematuros e crianças com questões neurológicas.
A anatomia ocular é normal, mas o cérebro não interpreta adequadamente os estímulos visuais.
- Sinais de alerta por faixa etária (para uso no consultório)
0–3 meses
- Não fixa ou não segue.
- Reflexo vermelho alterado.
- Nistagmo.
4–6 meses
- Pouco interesse visual.
- Estrabismo constante.
- Atraso nas aquisições motoras.
6–12 meses
- Dificuldade de localizar objetos.
- Falha em reconhecer cuidadores à distância.
- Posturas compensatórias (inclinar cabeça, aproximar objetos).
> 1 ano
- Aproxima demais objetos.
- Tropeços, quedas, dificuldade com coordenação motora fina.
- Como o pediatra deve avaliar a visão?
Ferramentas simples em consultório
- Reflexo vermelho – TRV ao nascimento e nas consultas de puericultura pelo menos três vezes por ano nos primeiros 3 anos de vida.
- Observação de fixação e seguimento visual.
- Avaliação do alinhamento ocular.
- Avaliação funcional do comportamento visual.
Encaminhar imediatamente se houver:
- Reflexo vermelho ausente ou assimétrico.
- Ausência de fixação aos 3 meses.
- Estrabismo constante em qualquer idade.
- Nistagmo.
- Suspeita de catarata, glaucoma ou ptose grave.
- Qualquer atraso visual ou suspeita dos pais.
- Prematuros sem rastreamento completo para ROP.
- Exames oftalmológicos recomendados por faixa etária
Toda criança deve ser avaliada pelo oftalmologista idealmente em dois momentos-chave:
- 6–12 meses
- 3–5 anos (pré-escolar)
Crianças de risco (prematuridade, síndromes, neurológicos, estrabismo) necessitam de acompanhamento ampliado.
Quando encaminhar para oftalmologista imediatamente:
- Reflexo vermelho alterado ou ausente.
- Estrabismo
- Nistagmo
- Suspeita de catarata congênita, glaucoma, ptose
- Crianças prematuras, com histórico neonatal de risco, ou que não realizaram rastreio para ROP
- Tratamentos e reabilitação
Tratamentos possíveis
- Muitos dos problemas visuais identificados na infância são evitáveis ou tratáveis quando detectados a tempo. Isso reduz o risco de cegueira e deficiência visual permanente.
- Intervenção precoce (correção óptica, cirurgia, reabilitação) pode alterar o desenvolvimento visual e global da criança, favorecendo seu aprendizado, socialização e qualidade de vida.
Habilitação visual
Toda criança com baixa visão deve ser encaminhada precocemente para estimulação visual e terapia ocupacional para habilitação visual. A intervenção precoce melhora prognóstico visual, cognitivo e socioemocional.
- Papel do pediatra – Pontos essenciais
- Incorporar avaliação ocular desde o nascimento, com TRV e inspeção ocular.
- Realizar triagem periódica nos primeiros anos de vida (conforme diretrizes).
- Identificar sinais de alerta e encaminhar prontamente ao oftalmologista.
- Orientar famílias sobre a importância do uso de óculos, tampões, acompanhamento e reabilitação.
- Acompanhar crianças de risco (prematuridade, síndromes, histórico neonatal) de forma intensificada.
- Integrar atenção primária, oftalmologia, educação e reabilitação, visando o cuidado contínuo da criança.
Pontos-chave
- A OMS estima que 1,4 milhão de crianças sejam cegas no mundo — muitas por causas evitáveis.
- A deficiência visual infantil compromete diretamente o neurodesenvolvimento.
- O pediatra tem papel decisivo no diagnóstico precoce, já que muitas patologias não dão sinais iniciais evidentes.
- A intervenção precoce é o maior determinante de prognóstico visual e funcional.
