QUEIMADURA, TRAUMA COMUM EM CRIANÇAS

Lesão por queimadura é um trauma gerado por agentes térmicos, químicos ou elétricos. Clinicamente pode apresentar desde uma pequena flictena até formas graves capazes desencadear grande número de respostas sistêmicas proporcionais à extensão e profundidade da lesão.1

As queimaduras são consideradas um importante problema de saúde pública, pois além dos problemas físicos, capazes de levar o paciente a óbito, elas ocasionam danos de ordem psicológica e social. Avalia-se que no Brasil acontecem em torno de 1.000.000 de incidentes por queimaduras ao ano, sendo que 100.000 pacientes buscam atendimento e, destes, cerca de 2.500 pacientes evoluirão para óbito direta ou indiretamente em função de suas lesões.2

Muitos estudos têm demonstrado que a maior frequência de queimaduras ocorre até os cinco anos de idade, sendo a maior  incidência entre o primeiro e segundo ano de vida.3-5 Tal condição justifica-se porque é nesta idade que a criança começa a andar, adquirindo liberdade, porém ainda não possui noção do perigo, tornando-se uma vítima fácil dos acidentes.

O agente que com maior frequência ocasiona queimadura nas crianças pequenas em todo o mundo é o líquido superaquecido responsável pela  escaldadura.3-6 Esses acidentes geralmente ocorrem dentro de casa, mais especificamente na cozinha, onde as crianças mais novas ficam perto de suas mães durante o preparo dos alimentos, demostrando, desta forma, que os adultos não valorizam a potencialidade de um acidente domiciliar.

É fundamental que o pediatra durante uma consulta aproveite a oportunidade para alertar os pais sobre a prevenção dos acidentes domiciliares, entre eles, as queimaduras, principalmente neste momento de pandemia onde é fato que os pais têm lidado, além do trabalho remoto e os afazeres domésticos, com os cuidados com as crianças em tempo integral dentro de casa. Esse cenário tem contribuído ainda mais para o aumento das queimaduras.

A importância da prevenção das queimaduras decorre não somente da frequência com que elas ocorrem, mas, principalmente, da capacidade de provocar sequelas funcionais, estéticas e psicológicas.

Outro frequente agente causal das queimaduras é o álcool,  produto muito utilizado no cotidiano das famílias brasileiras.6-8 Contudo, ele é altamente inflamável, o que o torna extremamente perigoso. Anualmente, centenas de pessoas, incluindo crianças, são vítimas de queimaduras provocadas por acidentes com álcool no Brasil. Para mitigar a quantidade desses acidentes, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) restringiu, em 2002, o acesso à compra de álcool etílico 70%, que causa explosões quando em contato com chamas. Em março deste ano, diante do aumento do número de casos de COVID-19 no Brasil, a ANVISA revogou essa restrição por 180 dias, o que significa que o álcool etílico líquido 70%, em frascos de 1 litro, atualmente pode ser vendido em mercados, lojas de conveniência, etc. Com a comercialização livre do álcool etílico líquido 70% e um incentivo ao uso para limpeza para prevenção da COVID, houve aumento expressivo do número de pacientes queimados por este agente. Algo semelhante tem ocorrido com o álcool em gel 70%, que também é inflamável, frequentemente utilizado em excesso para limpeza das mãos, e a pessoa se aproxima da chama do fogão ou mesmo do cigarro, provocando uma grave queimadura. O álcool em gel só deve ser usado quando não for possível lavar as mãos com água e sabão.

Algumas informações simples de precaução podem ter um impacto favorável na redução do número de acidentes, e devem ser utilizadas de rotina na consulta pelo pediatra:

  • A cozinha não é lugar de criança brincar. É um dos lugares mais perigosos da casa.
  • Fique atenta para o que fazem as crianças enquanto você estiver na cozinha.
  • Cozinhe de preferência nas bocas de trás do fogão e mantenha as panelas e frigideiras com os cabos para dentro, de modo que as crianças não consigam alcançá-las.
  • Não guarde alimentos, especialmente os DOCES, em armários ou prateleiras sobre o fogão, para evitar que as crianças subam no fogão para alcançá-los.
  • Atenção quanto às crianças poderem abrir a tampa do forno e usá-la como degrau para ter acesso aos alimentos.
  • Não coloque líquido quente próximo da quina da mesa ou da pia, evitando-se assim o alcance das crianças.
  • Criança corre pela casa com muita frequência, podendo esbarrar em um adulto que está segurando com uma panela de água ou óleo quente. Preste muita atenção.
  • Cuidado com os pratos quentes colocados sobre a mesa. Fique atento às crianças menores, que podem puxar a toalha, entornando líquidos quentes sobre si mesmas.
  • Mantenha fósforo e isqueiro fora do alcance de crianças.
  • Ensine as crianças de idade a partir de 6 anos que fósforo é uma ferramenta. Ensine o uso adequado.
  • Muito cuidado com o álcool, sua combustão é responsável por um grande número de queimaduras graves em crianças. Guarde-o fora do alcance de todas elas.
  • Em casa, lave as mãos com água e sabão. Fora de casa leve frascos pequenos com álcool em gel. Só use álcool em gel para higienizar as mãos quando não for possível lavar as mãos. O melhor para a higiene das mãos é água e sabão. O uso do álcool em gel  em crianças sempre deve ser supervisionado por um adulto.
  • Jamais se aproxime de qualquer fonte de fogo após uso de álcool em gel ou líquido.
  • Não passe álcool em gel nas roupas que pode ser tornar altamente inflamável.
  • Há riscos do álcool quando em contato com os olhos. Pode causar queimaduras na córnea.
  • Sentindo odor de gás ou suspeitando de vazamento, abra a janela ou porta para a entrada de ar fresco e chame a empresa de gás ou o Corpo de Bombeiro para ajudar. Não acenda fósforo ou ligue qualquer interruptor de energia elétrica.
  • Não use extensões inadequadas ou permita sobrecarga de eletricidade no fio de extensão.

Grupo de Trabalho de Segurança e Prevenção da Violência

Presidente: Cecy Dunshee de Abranches

Membros: Adriana Rocha Brito, Adriana Burla Klajman, Gabriella Lucas Dolavale, Maria Cristina do Valle F. Serra e Michel Wassersten

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. ISBI Practice Guidelines Committee; Steering Subcommittee; Advisory Subcommittee. ISBI Practice Guidelines for Burn Care. Burns. 2016; 42(5):953-1021. DOI:10.1016/j.burns.2016.05.013.
  2. Ministério da Saúde. Queimados. Última atualização em 04 de julho de 2017. Disponível em: https://www.saude.gov.br/component/content/article/842-queimados/40990-queimados; acesso em: 03 de agosto de 2020.
  3. Nigro MVAS, Maschietto SM, Damin R, Costa CSLobo GLA. Perfil epidemiológico de crianças de 0-18 anos vítimas de queimaduras atendidas no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados de um Hospital Universitário no Sul do Brasil. Rev Bras Cir Plást. 2019; 34(4): 504-8.
  4. Park JM, Park YS, Park I, Kim MJ, Kim KH, Park J et al. Characteristics of burn injuries among children aged under six years in South Korea: Data from the Emergency Department-Based Injury In-Depth Surveillance, 2011-2016. PLoS One. 2018; 13(6):e0198195. DOI: 10.1371/journal.pone.0198195.
  5. Broadis E, Chokotho T, Borgstein E. Pediatric burn and scald management in a low resource setting: A reference guide and review. Afr J Emerg Med. 2017;7(Suppl): S27-S31. DOI: 1016/j.afjem.2017.06.004.
  6. Leite VHO, Resende LPF, Souza MEM, De-Assis IX, Borges KS, Cintra Análise dos acidentes por queimadura com álcool líquido em Unidade de Tratamento de Queimados em Sergipe Rev Bras Queimaduras. 2016; 15(4):235-9.
  7. Aldunate JLCB, Neto OF, Tartare A, Araujo CAL, Silva CC, Menezes MAJ et al. Análise de 10 anos de casos de queimaduras por álcool com necessidade de internação em hospital quaternário. Rev Bras Queimaduras. 2012; 11(4):220-5.
  8. Pereima MJL, Mignoni ISP, Bernz LM, Schweitzer CM, Souza JA, Araújo EJ et al. Análise da incidência e da gravidade de queimaduras por álcool em crianças no período de 2001 a 2006: impacto da Resoluçao 46. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(2):51-9.

Agosto / 2020.