A pandemia da covid-19 se constituiu numa das maiores tragédias da história da humanidade e, ainda que arrefecida, permanece como uma das principais causas de morte no mundo.
É sabido que a parcela mais idosa da população foi o principal alvo do SARS-CoV-2. No entanto, há uma narrativa falaciosa no que concerne os riscos da covid-19 para crianças e adolescentes e a segurança da vacina para esses grupos, que busca desencorajar as famílias (e por vezes o pediatra) a vaciná-los.
O fato é: analisando sob qualquer prisma, a faixa etária pediátrica não pode ser considerada “poupada” pela pandemia.
O que dizem os números?
A tragédia pode ser explicada em números. De acordo com a Fiocruz, desde o início da pandemia, em 2020, por dia, duas crianças menores de cinco anos são vítimas fatais da covid-19 no Brasil. Em 2021, quando a letalidade da doença aumentou para toda a população, o número de vítimas infantis saltou para 840.
De acordo com o Ministério da Saúde, desde o início da pandemia e até outubro 2022, no Brasil:
- Entre crianças e adolescentes de até 19 anos, foram registrados 54.762 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por covid-19;
- Entre crianças menores de 2 anos de idade, foram confirmados 1.465 óbitos por covid-19, e cerca de 25.342 internações decorrentes da doença.
De acordo com análise de dados registrados no Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica da Influenza (SIVEP-Gripe, banco de dados nacional de vigilância de pacientes internados em hospitais com doença respiratória aguda grave no Brasil), entre 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021, dos 11.613 casos em crianças e adolescentes:
- 352 (71,9%) dos casos e 50% dos óbitos ocorreram naqueles previamente saudáveis e sem nenhuma comorbidade;
- 23,8% foram admitidos na UTI, 10,0% necessitaram de ventilação invasiva e 7,5% morreram;
- A proporção de pacientes internados em cuidados críticos na amostra foi maior do que os relatados no Reino Unido (18%), em um estudo multinacional europeu multicêntro (13%), e nos EUA (10%);
- O Brasil apresentou a maior taxa de óbitos na população jovem, atingindo cerca de 23,6 por 1.000.000 de crianças.
Cobertura vacinal entre crianças e adolescentes
A despeito do fato de, no Brasil, as vacinas terem sido disponibilizadas para adolescentes desde a segunda metade do ano de 2021, para maiores de cinco anos desde o início de 2022 e para maiores de três anos a partir de julho desse mesmo ano, a cobertura vacinal completa nessas populações é considerada insatisfatória (Gráfico 1).
Gráfico 1 Porcentagem de vacinados por faixa etária da população residente – Estado do Rio de Janeiro – até 08/11/2022
Fonte: https://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html#
Não há dúvidas de que o principal motivo para que se observe esse fenômeno diz respeito à desinformação, não apenas no que concerne à segurança das vacinas, mas, também no que se refere à gravidade da doença na população pediátrica.
A vacinação de crianças de 6 meses à 3 anos
Em 16 de setembro de 2022, a Anvisa aprovou a formulação da vacina covid-19 fabricada pela Pfizer-BioNTech (Cominarty) para crianças de 6 meses a 4 anos. Recentemente, o Ministério da Saúde (MS) anunciou que, em um primeiro momento, vacinará apenas as crianças de 6 meses a menores de 3 anos com comorbidades. O esquema será de três doses, com intervalos de quatro semanas entre as duas primeiras doses e de oito semanas entre a segunda e a terceira doses. De acordo com a nota do MS, a extensão para crianças dessa faixa etária sem comorbidades será avaliada após reunião do Conitec e de acordo com os estoques da vacina.
No entanto, baseados nos dados disponíveis, as Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm) e de Pediatria (SBP), em nota conjunta endossam a recomendação da Câmara Técnica Assessora do Programa Nacional de Imunizações (CTAI-PNI) de oferta imediata do imunizante para essa parcela da população, independentemente da presença de comorbidades.
Segurança das vacinas
De acordo os estudos, as vacinas covid-19 se mostraram seguras para as faixas etárias para as quais estão licenciadas.
Na prática, nos Estados Unidos, país onde mais foram aplicadas doses das vacinas mRNA na população pediátrica, os números são extremamente robustos para definir o risco versus o benefício à favor da vacinação em todos os grupos etários, incluindo aqueles com 6 meses à 4 anos de idade.
Os dados disponíveis, após a vacinação de um enorme contingente de crianças e adolescentes – mais de 30 milhões de indivíduos vacinados nesses grupos – trouxeram ainda mais luz acerca desse tema nebuloso.
A quase totalidade dos eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização (ESAVI) reportados nos EUA, foi considerada como leve.
Sobre os casos de miocardite ou pericardite relacionadas à vacina mRNA (Figura 1):
- Os casos registrados se concentram na subpopulação de indivíduos de 12 a 17 anos do sexo masculino, mais particularmente após a segunda dose vacinal recebida.
- O risco de miocardite ou pericardite relacionadas à doença covid-19 chega a ser quase seis vezes maior do que o observado como ESAVI.
- Pacientes com miocardite relacionada à vacina apresentaram pronta resolução dos sintomas e melhora da função cardíaca.
Figura 1 Taxas de incidência de miocardite/pericardite verificada nos 0-7 dias após a vacinação Pfizer-BioNTech em pessoas de 5 a 39 anos, dose 2 e 1º reforço nos EUA
Fonte: https://www.cdc.gov/vaccines/acip/meetings/downloads/slides-2022-09-01/05-COVID-Shimabukuro-508.pdf.
Conclusão
O Departamento Científico de Imunizações da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, em concordância com a SBP e a SBIm, entre outras importantes entidades médicas do mundo, reforça categoricamente a necessidade de vacinação em massa de crianças a partir de 6 meses de idade e adolescentes contra a covid-19.
Referências
Levy B. Covid-19 mata dois menores de 5 anos por dia no Brasil. Portal Fiocruz. Rio de Janeiro, 28/06/22. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-mata-dois-menores-de-5-anos-por-dia-no-brasil. Último acesso 09/11/22.
Brasil. Ministério da Saúde-Secretaria de Vigilância em Saúde-Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis – NOTA TÉCNICA Nº 114/2022-DEIDT/SVS/MS. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/notas-tecnicas/nota-tecnica-no-114-2022-deidt-svs-ms.
Fiocruz – Boletim Info Gripe, semana 43, 2022. Disponível em: https://gitlab.fiocruz.br/marcelo.gomes/infogripe/-/blob/master/Boletins%20do%20InfoGripe/Boletim_InfoGripe_atual_sem_filtro_febre.pdf. Último acesso 09/11/22.
Oliveira EA, Colosimo EA, Silva ACS, Mak RH, Martelli DB, Silva LR, et al. Clinical characteristics and risk factors for death among hospitalised children and adolescents with COVID-19 in Brazil: analysis of a nationwide database. Lancet, June 10, 2021, P559-568, doi:https://doi.org/10.1016/S2352-4642(21)00134-6. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lanchi/article/PIIS2352-4642(21)00134-6/fulltext. Último acesso 09/11/22
Sociedades Brasileiras de Pediatria (SBP) e de Imunizações (SBIm). Autorização do Uso da Vacina COMIRNATY (Pfizer) em crianças de 6 meses a 4 anos). Nota Especial, 01/11/22. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/autorizacao-do-uso-da-vacina-comirnaty-pfizer-em-criancas-de-6-meses-a-4-anos/. Último acesso 09/11/22.
Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP). COVID-19 vaccine safety update: Primary Series in young children and booster doses In older children and adults. September 1, 2022. Disponível em: https://www.cdc.gov/vaccines/acip/meetings/downloads/slides-2022-09-01/05-COVID-Shimabukuro-508.pdf. Último acesso 09/11/22.
DC Imunizações SOPERJ
Flavio Czernocha
Isabella Ballalai
Em 08/11/2022