Alerta da SOPERJ sobre a Dengue

Os Departamentos Científicos de Infectologia e Imunizações da SOPERJ elaboraram um artigo com esclarecimentos sobre a dengue, destacando a epidemiologia, diagnóstico, manejo clínico e vacinação da doença. O alerta é devido ao aumento dos casos de dengue no país. No Rio de Janeiro, e em vários outros estados, foi decretado estado de emergência em saúde pública.

Dengue: epidemiologia, diagnóstico, manejo clínico e vacinação

A explosão de casos de dengue no país fez com que vários estados decretassem situação de emergência em saúde pública, entre eles o Estado do Rio de Janeiro, em 20/02/2024. O município do Rio de Janeiro já havia decretado situação de epidemia de dengue em 02/02/2024, após o número de casos no mês de janeiro bater o recorde de internações da série histórica iniciada há 50 anos, em 1974.

O número médio de casos entre 2014 e 2022 foi de 8.960, em 2023 esse número subiu para 22.763 e nos primeiros meses de 2024 já atingiu 42.707 casos (até a semana epidemiológica 9 [SE 9]), o que ressalta a gravidade da situação epidemiológica.

Dados do sistema de monitoramento do município do Rio mostram que, até a SE 9 de 2024, a faixa etária entre 0 e 19 anos correspondeu a 24% das notificações, sendo 3.969 casos em menores de 10 anos e 6.464 na faixa de 10 a 19 anos. Nesse momento é de extrema importância que o pediatra se mantenha alerta para o diagnóstico, a abordagem terapêutica e, principalmente, a prevenção da doença.

A dengue é uma doença febril aguda sistêmica que pode apresentar amplo espectro clínico, podendo variar desde a forma assintomática até formas clínicas graves e óbito. As formas assintomáticas são as mais frequentes e representam 75% das infecções. A evolução desfavorável, inclusive o óbito, depende de variantes genéticas do vírus, de fatores ligados ao hospedeiro e do manejo apropriado da doença, com intervenções adequadas e oportunas. Por isso, a suspeita precoce da doença, a observação cuidadosa e o uso racional de líquidos intravenosos são essenciais.

A infecção sintomática apresenta três fases clínicas (febril, crítica e de recuperação). A manifestação inicial é a febre, geralmente elevada, que pode ter duração de até 7 dias e vir acompanhada por cefaleia, dor retro-orbitária, adinamia, mialgia e artralgias e exantema. A erupção ocorre em cerca de 50% dos casos. Geralmente é maculopapular e ocorre com frequência associada à defervescência. As lesões atingem a face, tronco e membros, incluindo regiões palmo-plantares e podem apresentar prurido. Também podem ocorrer alterações gastrintestinais como náuseas, vômitos e diarreia. A diarreia costuma ser leve com 3 a 4 evacuações por dia, diferente das gastroenterites virais. Raramente são descritas manifestações como miocardite, pancreatite, hepatite e doença neuroinvasiva.

A tendência, após a fase febril, é a recuperação completa para a maioria dos pacientes, com estabilização clínica geral. Em alguns pacientes, a fase crítica pode estar presente entre o 3º e o 7º dia do início da doença e surge até 48 horas após a defervescência. Esse período é crítico para o surgimento dos sinais de alarme, que sugerem risco de evolução para formas graves da doença. Essas formas se caracterizam por manifestações clínicas derivadas do grave extravasamento plasmático, que podem se apresentar como sinais de alarme até choque ou acúmulo de líquidos extravasculares como derrame pleural e ascite. A internação da criança ou do adolescente torna-se, nesse caso, imperativa, pois a pronta intervenção, com terapia adequada e hidratação vigorosa, pode ser decisiva para uma evolução favorável. Os seguintes sinais de alarme devem ser cuidadosamente pesquisados:

  • Dor abdominal intensa (relatada ou à palpação) e contínua;
  • Vômitos persistentes;
  • Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico);
  • Hipotensão postural e/ou lipotimia;
  • Hepatomegalia > 2 cm abaixo do rebordo costal;
  • Sangramento de mucosa;
  • Letargia e/ou irritabilidade;
  • Aumento progressivo do hematócrito.

Os sintomas e sinais clínicos devem ser orientados aos pacientes e familiares e buscados sistematicamente pelo pediatra durante o seu atendimento.

O extravasamento vascular pode também ser identificado precocemente pelo monitoramento da elevação do hematócrito (quanto maior a elevação, maior a gravidade) e redução do nível de albumina. Exames de imagem também podem mostrar edema em vários órgãos e derrames cavitários. É comum o achado de espessamento da parede da vesícula biliar e colecistite alitiásica na ultrassonografia abdominal quando do rastreamento da dor abdominal.

A evolução para o choque, quando ocorre, se estabelece rapidamente, tem curta duração e pode ser complicado por sangramento e/ou sobrecarga hídrica. Pode levar ao óbito em 12 a 24 horas e implica em terapia imediata e apropriada. À acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada e hipoperfusão dos órgãos (como coração, pulmões, rins, fígado e sistema nervoso central) seguem-se ao choque prolongado, contribuindo para o surgimento de hemorragias graves e agravamento do choque. Muitas vezes o paciente já chega nessa fase sem diagnóstico da dengue, devendo ser feito realizado diagnóstico diferencial como o choque séptico.

É importante destacar que o diagnóstico da infecção em crianças muito pequenas é um desafio, e avaliar os aspectos epidemiológicos é mandatório. Em menores de 2 anos de idade, os sinais e sintomas de dor podem se manifestar por choro persistente, adinamia e irritabilidade, que são comuns em outras patologias infantis. Outro aspecto importante é que uma infecção prévia assintomática ou com manifestações leves nessas crianças pode não ter sido diagnosticada. Numa segunda infecção o início da doença pode também não ser percebido e o diagnóstico ser realizado com um quadro grave já estabelecido.

O diagnóstico clínico deve ser sempre suspeitado em todo quadro clínico febril agudo ou choque durante períodos de epidemia. Os exames laboratoriais são complementares e utilizados principalmente para monitoramento de sinais de gravidade, sendo o hemograma uma ferramenta importante, pois permite classificar o risco, monitorar a evolução e auxiliar no diagnóstico diferencial. Pode haver também leucopenia e trombocitopenia. Nos casos de hepatomegalia dolorosa ou com evolução grave da doença, a dosagem de transaminases está indicada. A avaliação de eletrólitos, gasometria e funções renais é necessária em caso de choque. Os testes diagnósticos específicos para a dengue como a pesquisa de antígeno NS1 e sorologia podem ser realizados, mas não devem ser aguardados para estabelecer a conduta clínica. A presença de IgM geralmente é tardia, após o quinto dia de doença, e a pesquisa de NS1 pode ser negativa, o que pode induzir, se aguardada a confirmação, o atraso na introdução de medidas de acompanhamento e terapêutica. Os testes de biologia molecular são mais específicos e mais precoces, mas não estão amplamente disponibilizados.

A abordagem de acompanhamento e terapêutica é baseada no estadiamento clínico e classificação de risco (Grupos A, B, C ou D), que são mandatórios, já que o paciente, durante a evolução da doença, pode passar de um grupo a outro em curto período. Não existe terapia antiviral específica para dengue. Durante toda a fase febril, deve ser orientada a hidratação vigorosa e recomendadas medicações para controle dos sintomas como antitérmicos (paracetamol ou dipirona) e antieméticos. Não é recomendado o uso de ácido acetilsalicílico, medicamentos contendo salicilato e outros anti-inflamatórios não esteroides (AINES), para minimizar o potencial de sangramento. A atenção deve ser maior na defervescência, quando o paciente pode desenvolver sinais de alerta para evolução grave. Nesse caso a internação e o suporte intensivo hemodinâmico podem reduzir o risco de morte por dengue grave de aproximadamente 5% a 10% para menos de 1%.

Para maiores detalhes em relação ao diagnóstico diferencial, classificação de risco, abordagem diagnóstica e terapêutica recomenda-se a consulta cuidadosa ao manual elaborado pelo Ministério da Saúde Dengue: diagnóstico e manejo clínico – adulto e criança, publicado em 2024, disponível eletronicamente.

Vacinação contra a dengue

Atualmente temos duas vacinas contra a Dengue licenciadas no país:

  • Dengvaxia® (Sanofi Pasteur): vacina tetravalente, vírus vivo atenuado, 3 doses com intervalo de 6 meses entre as doses, indicada somente para soropositivos, ou seja, pessoas anteriormente infectadas pelo vírus dengue.
  • QDENGA® (Takeda): vacina tetravalente, vírus vivo atenuado, 2 doses com intervalo de 3 meses entre as doses, independentemente de ser soropositivo ou soronegativo para dengue, incorporada ao SUS em dezembro de 2023.

A vacina QDENGA® utiliza a tecnologia de DNA recombinante, a partir do sorotipo atenuado DENV-2 modificado e atenuado em laboratório pela inoculação em culturas celulares. As outras três cepas vacinais (TDV-1, TDV-3 e TDV-4) são “quimeras” geradas pela substituição de genes.

A eficácia da vacina após 18 meses da vacinação, avaliada através dos desfechos secundários, foi de 76,1% em indivíduos inicialmente soropositivos e de 66,2% em indivíduos inicialmente soronegativos. Para a hospitalização por dengue a eficácia da vacina foi de 90,4% 18 meses após a segunda dose. A vacina induziu a produção de anticorpos neutralizantes que persistiram por pelo menos 4 anos após a vacinação, independentemente do status sorológico basal, contra os quatro sorotipos.

Durante os estudos, a vacina demonstrou boa tolerabilidade, sem evidência de aumento da incidência de doença grave em pacientes soronegativos e sem riscos de segurança importantes identificados até o momento.

A QDenga® é indicada para a prevenção da dengue causada por qualquer sorotipo do vírus em indivíduos dos 4 aos 60 anos de idade, tanto soronegativos como soropositivos para dengue, devendo ser administrada em duas doses com intervalo de 3 meses por via subcutânea. Vale dizer que entre os menores de 4 anos que foram incluídos no início dos estudos, dados de imunogenicidade abaixo do esperado demonstraram pouca eficácia da vacina nessa faixa etária e, por esse motivo, esse grupo etário foi retirado na sequência dos estudos. Já o grupo de maiores de 60 anos, não foram incluídos nos estudos, portanto, não existem dados sobre o uso em pessoas acima de 60 anos de idade, nem de eficácia e nem de segurança.

A vacinação deve ser adiada na presença de doença febril aguda moderada a grave. Por tratar-se de vacina atenuada, para pacientes que receberam ou recebem tratamento com imunoglobulinas ou hemoderivados contendo imunoglobulinas, é necessário respeitar três meses (mínimo de pelo menos seis semanas) após o término do tratamento, a fim de evitar a neutralização dos vírus contidos na vacina.

QDenga® é contraindicada para gestantes, e nutrizes, pacientes com imunodeficiências primárias ou adquirida (incluindo uso de medicação imunossupressoras) e pacientes que apresentaram reação de hipersensibilidade à dose anterior. A vacina está contraindicada durante a amamentação pela possibilidade da excreção do vírus vacinal no leite materno.

Em setembro de 2023, o Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas (SAGE) em Imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que os Estados-membros considerassem o uso da vacina TAK-003 (QDenga®) para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos que vivem em ambientes com alta carga de doença da dengue e alta intensidade de transmissão.

O Ministério da Saúde, a partir da recomendação da OMS e considerando a limitação do número de doses da vacina disponibilizado de imediato pelo fabricante, após discussão com o Conass e o Conasems, definiu como grupo etário alvo adolescentes de 10 a 14 anos e a estratégia de distribuição das vacinas em 2024, da seguinte forma:

  1. A distribuição das doses nos municípios foi definida com base em três critérios principais: o ranqueamento das regiões de saúde e municípios, o quantitativo necessário de doses para a população-alvo conforme a disponibilidade (prevista pelo fabricante) e o cálculo do total de doses a serem entregues em uma única remessa ao município.
  2. Com o objetivo de ampliar o número de municípios e o acesso da população-alvo a receberem a D1 no menor tempo possível, foi recomendado que a vacinação seja iniciada pela administração de D1 para as idades de 10 e 11 anos.
  3. Desta maneira, todos os municípios selecionados dentro da estratégia receberão as primeiras remessas até a segunda semana de março.
  4. As demais doses para D2 serão enviadas posteriormente considerando o intervalo recomendado de 3 meses entre as doses.

Tabela 1 Municípios contemplados para a vacinação contra a dengue no Estado do Rio de Janeiro

Fonte: Ministério da Saúde. Municípios Selecionados para a Vacinação da Dengue. Estado do Rio de Janeiro.

A programação para o Estado do Rio de Janeiro tem início em março. A primeira região que será contemplada será a Região Metropolitana 1, que é composta pelos municípios Rio de Janeiro, Nilópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Itaguaí, Magé, Belfort Roxo, Mesquita, Seropédica, Japeri e Queimados.

Importante ressaltar que o controle do vetor Aedes aegypti é a principal estratégia para a prevenção e controle da dengue e de outras arboviroses urbanas, como Chikungunya e Zika.

Respostas às dúvidas mais comuns relativas à vacinação contra a dengue
  1. Quem teve dengue, deve se vacinar?
  2. Se teve dengue, quanto tempo depois pode se vacinar? Respeitar intervalo de 6 meses entre o episódio da dengue e o início da vacinação.
  3. Se teve dengue após a primeira dose da vacina dengue, quando pode receber a segunda dose? O intervalo de 3 meses da primeira dose deve ser mantido, desde que não inferior a 30 dias.
  4. O esquema de doses com Dengvaxia® foi iniciado, porém não está completo. O que fazer? O esquema iniciado deverá ser completado com o mesmo produto, como regra geral. Na indisponibilidade de Dengvaxia®, a continuação com QDENGA® pode ser realizada, desde que complete duas doses da QDENGA® respeitando intervalo habitual de 90 dias.

Bibliografia consultada:

Ana Frota

Departamento Científico de Infectologia e

Departamento Científico de Imunizações da SOPERJ

Isabella Ballalai

Departamento Científico de Imunizações da SOPERJ

Patricia Guttman

Departamento Científico de Imunizações da SOPERJ

Tania Petraglia

Departamento Científico de Infectologia e

Departamento Científico de Imunizações da SOPERJ