Das Causas ao Tratamento: Atrofia Muscular Espinhal – AME

O Departamento de Neurologia da SOPERJ, presidido pela Dra. Andreia de Santana Silva Moreira, elaborou um artigo sobre a Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença rara que compromete atividades básicas do dia a dia de uma pessoa.

O texto é de autoria dos membros do Departamento, Dr. Alexandre R. Fernandes (professor adjunto da Universidade Federal Fluminense), da Dra. Stella Santos (neuropediatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto) e da Dra. Alexandra Prufer de Queiroz Campos Araújo (professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O que é a AME?

A Atrofia Muscular Espinhal – também conhecida pela sigla AME – é uma condição geneticamente determinada em que as células nervosas localizadas na medula espinhal sofrem um processo de mau funcionamento e vão aos poucos se degenerando. Como estamos falando de neurônios, eles não conseguem ser regenerados ou recuperados pelo organismo. Por causa disso, os músculos deixam de receber os estímulos elétricos que precisam para se contrair e a pessoa vai apresentando fraqueza e redução do tônus muscular.

Apesar de ser uma condição genética, essa não é uma doença hereditária. Ou seja, uma pessoa acometida não costuma ter um histórico de casos semelhantes em sua família. Em geral, os pais, avós e irmãos são saudáveis e não apresentam AME. Os pais de uma pessoa nessa condição têm o potencial maior de gerar novamente crianças com a doença.

Causas e Sintomas

Mas o que então causaria a degeneração e morte dos neurônios? O gene que está afetado nas pessoas com AME é o gene SMN. Ele sintetiza uma proteína relacionada com a sobrevivência no neurônio motor que, em inglês, se chama Survival Motor Neuron” (ou SMN). Sem essa proteína, os neurônios motores que ficam na medula gradativamente deixam de funcionar normalmente e não sobrevivem por muito tempo, como deveriam. Para apresentar a doença o indivíduo tem que ter ambos os pares de genes SMN com problema. Um dos pares vem do pai e outro da mãe.

A AME pode ter o início dos sintomas desde a vida intrauterina até a idade adulta. Quanto mais cedo os primeiros sintomas aparecem, mais rapidamente ela progride.

Tipos de AME

Embora possa ser classificada em 5 tipos, o tipo 4 é o que aparece somente na idade adulta e, por isto, não será aqui comentado. O tipo 0 é o que tem os sintomas iniciais já percebidos na gestação (pouco movimento do bebê) e o recém-nascido nasce muito molinho (hipotonia). Com dificuldades respiratórias, ele não conseguirá movimentar braços, pernas e nem o tronco e não terá evolução de nenhum marco do desenvolvimento motor.

No tipo 1, a criança é normal ao nascer e nos primeiros 3 meses de vida, a partir de quando irá apresentar menos movimento das pernas, depois do tronco e depois também dos braços, pode conseguir ter sustento cefálico. Mas, nunca alcançará sentar sem apoio.

O tipo 2 tem início mais tarde pela menor movimentação, inicialmente das pernas, a partir de 6 meses de vida. A criança consegue sentar sem apoio e algumas conseguem ficar de pé e trocar passos com apoio, mas não andam sem apoio e a piora, embora também contínua, é mais lenta que no tipo 1.

O tipo 3 começa depois que a criança já desenvolveu a capacidade de andar sem apoio, e a fraqueza inicial, novamente nas pernas, irá causar quedas frequentes, dificuldades para se levantar do chão, pular e usar escadas, com lenta e gradativa piora desta fraqueza ao longo dos anos.

Diagnóstico e Exames

A suspeita irá depender dos sintomas acima mencionados, da parada de ganhos de marcos do desenvolvimento motor e do exame físico feito pelo médico. Em geral, pais e avós são parceiros ao apontar preocupações na observação das atitudes de seus filhos e suas dificuldades devem ser comentadas na consulta médica.

Para saber se uma criança apresenta AME, o médico busca a presença de sintomas como: flacidez muscular exagerada, cujo nome técnico é hipotonia; fraqueza muscular afetando os músculos dos braços, das pernas, da respiração e da deglutição (estes dois últimos para casos de tipo 1); ausência de reflexos; sinais de desnervação dos músculos (fasciculações).

O exame que conclui o diagnóstico e confirma se uma pessoa tem AME é o estudo genético dos genes SMN1 e SMN2, que pode ser feito no sangue ou na saliva da pessoa acometida.

Apesar de se tratar de uma doença genética e ainda sem cura, já é possível modificar significativamente a evolução natural desses sintomas e proporcionar à pessoa com AME uma vida com maior qualidade, e até mesmo modificar o curso natural da doença.

Tratamento

Ele envolve um conjunto de avaliações e terapias não medicamentosas, além de medicamentos específicos. Mas, para além desses tratamentos medicamentosos, é de extrema importância que a pessoa possa ter o diagnóstico da AME confirmado. Quanto mais precocemente isto acontecer maior é o impacto destes tratamentos.

O tratamento precisa incluir atendimento fisioterápico, tanto motor, quanto respiratório; atendimento fonoaudiológico para minimizar os efeitos sobre a deglutição; acompanhamento nutricional; além de atendimento médico com equipe de pediatra, neuropediatria, pneumologista, ortopedista e outras especialidades médicas que podem ser necessárias caso a caso.

Com relação aos novos medicamentos, eles modificam a evolução pois desaceleram a doença e, de certo modo, reduzem o processo de degeneração neuronal. Existem substâncias diferentes que usam vias de uso distintos: por via oral, intratecal e venosa. Todos são capazes de aumentar a quantidade da proteína SMN e, dessa forma, aumentam a sobrevida do neurônio motor.

O que utiliza a via oral e o que usa a via intratecal são substâncias que agem sobre o gene SMN2, forçando-o a produzir a proteína como se fosse o gene SMN1. O que é usado por via venosa contém o gene SMN1 dentro de um vírus, chamado de vetor, que leva o material genético até as células do corpo. A administração do medicamento endovenoso é em dose única, mas requer alguns cuidados adicionais na fase de tratamento.

O Papel do Pediatra

O pediatra tem um papel fundamental no diagnóstico. Inicialmente na avaliação do desenvolvimento psicomotor de seus pacientes, esse profissional ajuda a triar potenciais casos e na atenção às queixas de fraqueza muscular. Caso não se sinta capaz de conduzir o diagnóstico, o médico deve de imediato encaminhar ao neuropediatra.

Ele ajudará na condução de casos confirmados, até o final da adolescência, assim como na transferência para cuidados de clínicos nesta fase da vida. Também é peça importante para uma potencial suspeita no auxílio no aconselhamento genético a esta família, particularmente em locais onde geneticistas clínicos sejam escassos. Novos bebês nascidos seja do pai ou da mãe (mesmo casal ou em novas uniões) deveria ser testado geneticamente para o gene SMN1, já na maternidade.

Os novos tratamentos, sem dúvida, são um grande marco no cuidado dessa doença que possui características tão impactantes na qualidade da vida das pessoas acometidas e de suas famílias. Contudo, é fundamental lembrar que o uso dos novos medicamentos não substitui todos os programas de tratamento de reabilitação e de cuidado que acolhem e sustentam as pessoas com AME e suas famílias. Sigamos, então, unidos e fortes na luta contra a AME.