A alegria de voltar para casa

A médica pediatra Cynthia de Almeida Brandão Meirelles engrossa a triste estatística de pessoas afetadas pela COVID-19 no Estado do Rio. Profissional da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Maternidade Leila Diniz, Hospital Municipal Lourenço Jorge, ela passou 11 dias internada, dos quais 24 horas no CTI. Em entrevista ao site da SOPERJ, a médica relata o que sentiu durante a internação e a alegria de poder voltar para casa após passar momentos de muita tensão. A pediatra chegou a pensar que não venceria a batalha contra o coronavírus.

 Qual foi a sua sensação ao saber que poderia voltar para casa após passar por momentos difíceis durante a internação por Covid-19?

É difícil até de descrever. A alta representa uma vitória contra a doença, mas também o reencontro com sua família, pois durante toda a internação ficamos isolados. É uma emoção muito intensa, pois durante todo o processo, muitas vezes você pensa que a alta pode não acontecer, que você pode morrer e nunca mais rever ninguém.

 

Você precisou ir para o CTI. Durante a sua passagem por essa unidade, chegou a pensar que perderia a luta pela vida?

Com certeza passa pela sua cabeça que você pode perder essa batalha. Eu não cheguei a ficar intubada, mas isso passa pela sua mente o tempo todo. Dá muito medo.

Qual foi o pior momento desde que soube que estava contaminada?

Foram vários piores momentos. Assim que iniciei os sintomas de tosse, febre, enjoo, dor abdominal, cefaleia e dor no corpo, considerei o diagnóstico de Covid-19. Imediatamente pensei nas possibilidades de desfecho desfavorável. Foi o primeiro medo. Fiz o exame do PCR no dia seguinte dos sintomas, mas o resultado demorou uma semana para confirmar a presença do vírus, quando eu já estava internada. Depois do terceiro dia apresentei anosmia e alteração do paladar. Diante desses sintomas ficou um pouco mais concreto o diagnóstico. No sétimo dia de doença, com febre, dores e mal estar desde o início, comecei a ter desconforto respiratório e a saturação de oxigênio começou a cair, outro marco de medo. Parti para o hospital, onde fiquei com cateter nasal de oxigênio. No oitavo dia tive o maior pico de febre, depois de ficar quase 24 horas afebril. A respiração piorou muito e nesse momento foi quando realmente achei que estivesse piorando o quadro, com possibilidade real de morte. Descompensei emocionalmente nesta hora. Fui para o CTI no décimo dia de doença para melhor monitorização e fiquei por 24 horas. Foi quando tive maior necessidade de oxigênio. Outro marco de medo. Mas evolui melhor e voltei ao quarto. Desse dia em diante tive melhora lenta e gradual.

O fato de ser médica, e estar numa situação como a que você viveu durante dias dentro do hospital, a tornou mais forte para ajudar no combate à doença?

 Tenho a sensação de que o fato de ser médica me deixou mais ansiosa por saber dos desfechos e entender bem o que estava acontecendo. A ignorância às vezes pode ser uma benção. Entretanto, um outro aspecto é poder ter vivenciado o lado do paciente e entender todos os medos e as fragilidades de estar nessa situação. A empatia fica mais fácil.

Sabemos que alguns hospitais da cidade do Rio de Janeiro estão operando na sua capacidade máxima, com poucos profissionais e sem os materiais necessários para um atendimento adequado. Como foi a sua experiência?

 No meu caso, talvez por ter ficado doente em um período menos crítico da epidemia, o atendimento foi muito bom. Não me senti nem um pouco abandonada pela equipe, nem percebi falta de recursos. A assistência foi excelente.

Você sabe como contraiu o vírus, ou seja, foi de um contato próximo ou durante a batalha que os profissionais de saúde estão travando nos hospitais?

Não tenho como ter certeza. Trabalho em uma maternidade, não havia casos de Covid-19 sendo atendidos no período em que estava trabalhando. Porém, a maternidade é dentro de um hospital geral e os profissionais de vários setores se deslocam pelo hospital, refeitório, assinatura de ponto, corredores. Pode ter sido dessa forma, contato com outros profissionais de saúde que estivessem atendendo casos de Covid-19 em outro setor.

Como se sente agora, ainda tem alguns dos sintomas que a levaram a ficar internada? Quantos dias permaneceu no hospital?

Fiquei doente dia 31 de março e internei no dia 6 de abril. A minha alta aconteceu no dia 17 de abril, ou seja, 11 dias de internação. Total de 13 dias de febre e 9 dias em oxigenioterapia. Uma Páscoa solitária, mas com “live” pela internet com a família. Ainda estou medicada com inalatórios, tenho um pouco de tosse e sinto cansaço aos pequenos esforços, como lavar louça, varrer a casa e não consigo ficar muito tempo de pé. Respirar fundo dá uma certa dor no peito. Não tenho mais sintomas de dor no corpo ou enjoo, nem anosmia ou alteração de paladar, mas a respiração ainda não está normal.

O que diria para uma pessoa que continua acreditando que a Covid-19 é apenas uma gripezinha?

 Triste ilusão, apesar de poder ser uma “gripezinha” para algumas pessoas que realmente podem desenvolver sintomas leves. Eu tenho 56 anos e não tenho nenhuma doença de base. Portanto, não sou considerada grupo de risco, mas, mesmo assim, não me enquadrei no grupo privilegiado da “gripezinha”. O vírus é poderoso, te derruba fisicamente e mentalmente, te deixa afastada das pessoas, família e amigos. Você não consegue ver o rosto nem da equipe cuidadora, por conta dos EPIs. O vírus te deixa muito solitária. Ainda bem que foi possível estar com o celular, o único modo possível de contato com as pessoas que te querem bem. Foi um conforto absurdo poder receber mensagens de força, fé, orações de muitas e muitas pessoas do meu convívio e muitas que nem conheço, me desejando plena recuperação, me mandando vídeos, músicas, todo tipo de carinho e apoio. Um recurso imprescindível para pacientes que obrigatoriamente têm que ficar isolados e estão lúcidos, com medo e abalados emocionalmente.

Como médica, e como uma pessoa que viveu a dolorosa experiência de ser paciente da COVID-19, o que você acha que ainda precisa ser feito no combate à doença no Brasil?

Manter o isolamento social para que menos pessoas se contaminem de modo a não sobrecarregar o sistema de saúde e permitir o atendimento de todos que precisarão. Muitas pessoas se recuperam, como eu, mas precisam das vagas nos hospitais. Além disso, quanto mais se adia a contaminação, mais tempo se tem para que um tratamento mais eficaz no controle da doença seja descoberto. O governo tem que dar suporte econômico adequado aos que ficaram sem renda para que não passem necessidade. O impacto econômico não tem como ser evitado, mas tem como ser minimizado com estes recursos. A recuperação econômica é uma possibilidade no futuro. Já para a morte, não há volta. A vida perdida, não tem retorno.

 

Cynthia de Almeida Brandão Meirelles
Médica pediatra da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
Maternidade Leila Diniz, Hospital Municipal Lourenço Jorge

 

Honor Comunicação – Assessoria de Imprensa SOPERJ