A importância das interações e aptidões sociais em tempos de COVID-19
Nesse tempo de quarentena, devido a COVID-19, as famílias se depararam com modificações substanciais nas rotinas dos pais, que assumiram o homeschooling com os filhos, descobriram a quase total incompatibilidade deste com o home office, além das inúmeras tarefas da casa que diariamente tiveram que dar conta, tais como, limpar, cozinhar, entre tantas outras. Em relação às crianças e adolescentes, podemos imaginar o que se passa nas suas cabeças, ouvindo e vendo todas as notícias sobre a pandemia. Tudo foi retirado deles. Os amigos, avós, escola. É uma situação impensável, onde muitos medos incompreensíveis passaram a residir em suas mentes, deixando-os particularmente vulneráveis para se sentirem oprimidos, ansiosos e deprimidos. As famílias também passaram a permanecer confinadas, em um mesmo espaço, aumentando assim, a possibilidade de maior estresse e esgotamento entre os diferentes moradores da casa.
Isso vem exigindo uma reestruturação da vida de todo mundo, mas também, vem oportunizando o desenvolvimento de várias habilidades determinantes para o enfrentamento dos inúmeros obstáculos que podem surgir dessa hiperconvivência. O treinamento das relações humanas. Este é capaz, se empregado apropriadamente, de produzir mudanças substanciais no convívio familiar. Possui uma enorme potencialidade para melhorar as relações, através da manipulação dos componentes afetivos, reduzindo os atritos desnecessários. O mais importante passo para superar esse momento é reconhecer e compreender a existência de sentimentos desconfortáveis que transitam no contexto familiar. Isso representa o primeiro passo crítico para corrigir a situação.
Famílias são competentes e têm uma capacidade de auto-organização para atravessar e resolver as crises que surgem, experimentando as suas soluções próprias, ativando o processo que as autoriza a isso. Por isso, a necessidade de estarem habilitadas para lidar com todos os imprevistos e impactos dessa nova situação.
Dentre os problemas que podem surgir com as crianças/adolescentes, encontramos as dificuldades na autorregulação e em habilidades sociais. As habilidades sociais formam um elo entre o indivíduo e seu ambiente, variando dentro de contextos culturais e padrões de comunicação. Consequentemente, dada a importância que cremos ter a autorregulação e as habilidades sociais para lidar com os eventos da vida diária, parece-nos ser útil aprender mais sobre o comportamento social próprio, dos demais, e, o que é mais interessante, saber que o comportamento, quando disfuncional, pode ser modificado. Uma família informada sobre o seu próprio funcionamento tem todas as possibilidades para encontrar os recursos necessários à solução dos possíveis problemas.
A regulação do comportamento é primordialmente fisiológica, reativa e pouco controlada. Refere-se às diferentes maneiras em que influencia a manifestação de algumas emoções, ao decidir quando as temos, como as experimentamos e de que maneira as expressamos. Esta capacidade inclui além da habilidade para inibir respostas impulsivas, conseguir evitar a interferência de estímulos irrelevantes e de permanecer em tarefas importantes. O processo de aprendizagem emocional tem diferentes etapas, e aprender a reconhecer essas manifestações em nós mesmos, é um primeiro passo fundamental para começar a reconhecer no outro. Como devem ser ensinadas as habilidades sociais/emocionais? Os pais são fundamentais e vão funcionar como referências que modelam e acompanham aos filhos o mundo das emoções. Entender as mudanças ligadas ao desenvolvimento na capacidade das crianças para controlar suas emoções pode ajudar os pais a dar assistência aos filhos quando estão em sofrimento emocional. Para a criança se tornar competente emocionalmente, deve aprender a administrar seus receios para conseguir uma solução eficaz para seus problemas.
A autorregulação faz parte de um largo processo que inclui o reconhecimento das emoções, a expressão e regulação das emoções. A autorregulação tem início com o controle dos adultos junto aos filhos para que, logo mais, seja internalizado pela própria criança. Podemos ainda dizer que a regulação emocional nos permite visualizar nossas prioridades e concentrarmos no êxito dos objetivos a que nos propusemos. Para o desenvolvimento da capacidade de autorregulação é importante:
- Manter o diálogo interno, pois esta estratégia nos permite organizar nossos pensamentos;
- É importante elegermos uma imagem, que nos remeta à calma, quando estivermos angustiados ou ansiosos.
- Administrarmos o sentimento da raiva.
- Diante de situações preocupantes é importante tentar fazermos uma releitura do que era preocupação num primeiro momento;
- Reconhecimento, gratidão é fundamental, ou seja, saber agradecer, gerando emoções positivas;
- Utilização de práticas contemplativas, através de meditação,
- Práticas corporais.
Quanto à aprendizagem das habilidades sociais, podemos dividi-la em diferentes fases:
- Desenvolvimento de habilidades sociais básicas, onde a criança deverá aprender a observar, a escutar e perceber os componentes não verbais do comportamento social.
- Saber iniciar e manter uma conversação, fazer e receber críticas, defender os próprios direitos, expressar opiniões.
- Desenvolver habilidades de autocontrole, de auto-observação, de estabelecer autorreforço apropriado, e ser capaz de gerar soluções com a finalidade de evitar obstáculos futuros, saber estabelecer objetivos, avaliar riscos.
O treinamento em percepção social pode melhorar o reconhecimento de sinais pessoais e situacionais relevantes para o comportamento social adequado. Esse treinamento pode identificar e avaliar os déficits em percepção social devido a erros de escutar, olhar, integrar os estímulos verbais e visuais, compreender o significado do que foi visto e ouvido. Compreender as estratégias que as crianças usam para controlar as emoções e os tipos de fatores estressantes que elas enfrentam tem dois objetivos básicos. Em primeiro lugar, oferece aos pais uma maneira prática de se comunicarem com seus filhos, com relação às coisas que elas podem fazer para administrar determinados tipos de experiências estressantes ou desagradáveis. Em segundo, permite delinear mudanças ligadas ao desenvolvimento nos tipos de estratégias utilizadas pelas crianças, e em sua capacidade de implementá-las na hora de administrar situações estressantes. É importante que aprendam a distinguir as dificuldades centradas na emoção e as centradas no problema, que podem ser vistas como estratégias reguladoras internas e externas. As estratégias centradas na emoção envolvem administrar diretamente as emoções negativas provocadas pelo problema, já as estratégias centradas no problema envolvem as tentativas de administrar ou transformar um problema que está provocando sentimentos negativos. À medida que as crianças crescem, sua capacidade de utilizar estratégias reguladoras internas e externas lhes permite administrar as situações estressantes com uma flexibilidade cada vez maior.
Não temos dúvidas de que o treinamento de autorregulação e das habilidades sociais são peças fundamentais para a boa convivência em casa, e em todos os outros espaços por onde o indivíduo circula.
É importante que os pais deixem claro para seus filhos o que eles esperam em termos de comportamento; que eles tenham longas cadeias de interações em torno dos interesses de seus filhos; que desafiem seus filhos a reconhecerem seus próprios sentimentos; que os levem ao desenvolvimento de uma consciência moral e ética e que possam manter a perspectiva no futuro e, principalmente no humor e no afeto.
Departamento de Saúde Escolar / SOPERJ
Rita Thompson
Maio / 2020