Grupo de Trabalho em Erros Inatos do Metabolismo (EIM)

Documento Final

CONSOPERJ – abril de 2006

 

Coordenadores:  
Dafne D G Horovitz   (IFF-FIOCRUZ / Presidente do Comitê de Genética da SOPERJ)
Gerson Carakushansky (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – UFRJ)
   
Participantes:  
Alexandra Prufer Araújo (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – UFRJ)
Aline Teixeira da Costa (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)
Ana Luiza Villaça (Unigranrio – Duque de Caxias)
Anna Claudia E dos Santos (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)
Antonio Abílio P Santa Rosa (Hospital Geral de Bonsucesso)
Armando Fonseca (Laboratório DLE)
Célia Ruth Berditchevsky (Hospital dos Servidores do Estado)
Claudia Braga (APAE-RJ / Hospital Pedro Ernesto – UERJ)
Claudia Maria da Silva Costa (PAISMCA – Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro)
Isaías Soares de Paiva (Comitê de Neonatologia – SOPERJ)
José Augusto Alves de Britto (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)
Judy Botler (IEDE-RJ – Coordenação do Programa de Triagem Neonatal)
Márcia Gonçalves Ribeiro (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – UFRJ)
Maria Angélica Lima (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)
Maria Auxiliadora Villar (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)
Maria Helena F S Guimarães (Secretaria Municipal de Saúde – Rio de Janeiro)
Maria Lucia Costa de Oliveira (LABEIM – Instituto de Química-UFRJ)
Patrícia Santana Correia (Hospital Geral de Bonsucesso)
Raquel Boy (Hospital Pedro Ernesto – UERJ)
Tatiana Magalhães (Instituto Fernandes Figueira-FIOCRUZ)

 

Introdução

Os erros inatos do metabolismo (EIM) são um grupo de distúrbios que implicam em progressiva deterioração, podendo levar à morte. Embora individualmente raros, estima-se em 1:2500 a sua incidência na população geral de neonatos. O diagnóstico precoce, seja por rastreamento neonatal ou por investigação direcionada é, portanto, uma meta a ser alcançada.
O reconhecimento de um EIM é difícil, muitas vezes somente acontecendo após a exclusão de outras condições mais comuns. Nesse sentido, é importante sempre incluí-lo como possibilidade no diagnóstico diferencial.
Este texto, produto de um grupo de trabalho patrocinado pela Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (SOPERJ), tem como objetivo definir prioridades com vistas à abordagem integrada aos EIM no nosso estado, desde a suspeita, diagnóstico até a instituição e manutenção do tratamento. Desta forma, são apontados “sinais de alerta” para tais diagnósticos e apresentadas sugestões para implementação e otimização de uma rede de apoio laboratorial, com vistas à organização de políticas específicas para esse grupo de doenças.
Baseado nas colaborações enviadas pelos participantes do grupo, este documento propõe colocar em pauta a discussão dos seguintes tópicos relacionados aos EIM:

  • Sinais de alerta para o diagnóstico de EIM.
  • Necessidade de estruturação de rede laboratorial de suporte.
  • Necessidade de otimizar o fluxo de exames, tanto para diagnóstico quanto para acompanhamento de tratamento.
  • Garantias de instituição e continuidade dos tratamentos.
  • Considerações sobre tratamentos de alto custo:
    • Compra e distribuição dos produtos para tratamento;
    • Necessidade de estruturação de centros de referência;
    • Necessidade de tratamentos norteados por protocolos validados.
  • Importância da prevenção dos EIM, via aconselhamento genético.

 

Itens discutidos pelo GT

1) Sinais de alerta e suspeita diagnóstica de EIM

Vários EIM podem se manifestar já no período neonatal, através de sintomas inespecíficos como letargia, convulsões, vômitos, hipotonia ou distúrbios hidroeletrolíticos, inclusive mimetizando e/ou cursando com sepse (Anexo 1).
Os sinais de alerta para o diagnóstico de um EIM são muito variáveis, sobretudo pela possibilidade de acometimento de diversos órgãos e sistemas, o que leva a sinais e sintomas semelhantes a outras doenças freqüentes (Anexos 1 e 2). Sublinhe-se que muitas crianças morrem sem diagnóstico, sendo o óbito atribuído a causas mais comuns.
Outro problema relacionado ao diagnóstico é o caráter transitório de algumas manifestações, muitas vezes intimamente ligadas a situações de estresse e exposição a determinados alimentos, as quais, sobretudo em quadros graves, podem passar despercebidas. Assim sendo, para que possa ser estabelecido o diagnóstico de uma doença deste grupo, recomendamos que, mesmo quando a hipótese de um EIM não for a principal no diagnóstico diferencial de um quadro agudo, sejam colhidas e armazenadas, rotineiramente, amostras de material biológico no tempo zero (antes de ser instituída alguma terapêutica) garantindo a possibilidade de investigação de EIM posteriormente.
Uma vez considerada a possibilidade de EIM, o acesso a um laboratório de referência, a agilidade na intervenção laboratorial e a orientação técnica adequada são essenciais para o sucesso no manejo.


2) Investigação laboratorial

O grande número de defeitos bioquímicos envolvidos nos EIM resulta em apresentações clínicas diversas, o que muitas vezes dificulta a identificação da doença específica. As análises laboratoriais dos metabólitos em fluidos fisiológicos dos pacientes são fundamentais para o diagnóstico.
Embora programas de rastreamento populacional possam ser implementados em centros regionais de investigação, visando o diagnóstico dos principais EIM, diversas disfunções metabólicas não fazem parte da triagem neonatal e muitas outras não se manifestam em recém-nascidos, sendo fundamental a implantação de laboratórios regionais para rastreamento de EIM em pacientes de alto risco.
O diagnóstico laboratorial de um EIM envolve uma série de equipamentos sofisticados e procedimentos de alto custo, além de demandar recursos humanos especializados. O processo requer exames complementares laboratoriais tais como: demonstração do acúmulo de metabólitos próximos ao bloqueio enzimático; demonstração da deficiência de metabólitos presentes distalmente ao bloqueio enzimático, demonstração da falta de uma determinada enzima e identificação de mutações genéticas no nível molecular. O laboratório deve estar preparado para realizar bioquímica analítica avançada, tendo atuação ativa de profissionais com sólidos conhecimentos de química analítica biorgânica e enzimologia, que deverão ser capazes de interagir diretamente com os clínicos e outros especialistas que acompanham o paciente.
A principal atividade deste laboratório é uma análise extensa dos componentes dos fluidos biológicos dos pacientes selecionados clinicamente, chamada “Rastreamento Metabólico”. Técnicas de cromatografia são de grande valia na orientação das análises a serem realizadas posteriormente. As amostras com resultados alterados neste rastreamento devem ser encaminhadas para análises por técnicas mais sensíveis e específicas que permitam apurar a identificação destas substâncias. Uma vez completada a análise do perfil metabólico, pode ser proposta uma hipótese a ser confirmada, através da determinação da atividade enzimática em células presentes em diversos fluidos biológicos ou tecidos.
Com todo o desenvolvimento que vem ocorrendo nesta área, torna-se impossível agregar todas as análises em um único laboratório, sendo recomendável a formação de uma rede de serviços em laboratórios regionais de referência, inclusive contemplando, dentro de uma política organizada para a solução de problemas, caso necessário, a inserção de laboratórios privados na altíssima complexidade.


3) Acesso ao diagnóstico de EIM via SUS

Apesar de alguns procedimentos relacionados ao diagnóstico de EIM constarem da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde, não há laboratório especializado no Rio de Janeiro credenciado junto ao SUS que realize esses exames. Recomenda-se a URGENTE formalização de convênio com laboratórios de referência para este tipo de investigação. Sugere-se que, preferencialmente, estes sejam vinculados a uma instituição governamental, de reconhecida especialização na área, de modo a garantir a qualidade das análises e em conseqüência uma maior precisão diagnóstica e terapêutica. Por outro lado, tal estratégia possibilitará conhecer o perfil das alterações metabólicas em nossa população.
Considerando a necessária especificidade dos laboratórios e a acentuada raridade de determinados tipos de EIM, deve-se também prever o encaminhamento de amostras para investigação em outros estados ou mesmo para outros países. Portanto, urge que sejam estabelecidas estratégias para viabilizar a integração entre laboratórios (efetivação de rede laboratorial de referência) e o adequado envio destas amostras.
Por fim, outra dificuldade a ser considerada diz respeito ao fato de que boa parte do material utilizado para investigação de EIM, tais como reagentes e peças para manutenção dos equipamentos, é importada. Garantir a continuidade das remessas e alertar os agentes alfandegários para a urgência da liberação destes materiais é essencial para a qualidade e agilidade dos diagnósticos. Também é válido considerar o desenvolvimento tecnológico local para fabricação de testes diagnósticos / suplementos ou substitutos alimentares / cofatores com vistas à diminuição de custos e maior independência de tais importações.

4) Suporte terapêutico para os EIM

A principal estratégia de intervenção terapêutica é a correção do desequilíbrio metabólico. Para tanto, são utilizadas alternativas para minorar as conseqüências fisiopatológicas do defeito enzimático em determinada rota metabólica (Anexo 3). Atualmente, o alcance terapêutico restringe-se aos EIM nos quais é possível o controle do acúmulo de substrato e naqueles onde há possibilidade de reposição da enzima ou cofator deficiente.  
A complexidade do tratamento faz com que se imponha a organização de centros de referência no cuidado a pacientes com condições específicas, demandando a capacitação de pessoal, reserva de leitos voltados para este fim, elaboração, validação, implantação e sedimentação de protocolos. Já há no estado do Rio de Janeiro alguns centros de referência em EIM, além de outras instituições estarem aptas a prestar atendimento a este grupo de doenças (Anexo 4).
Dentro do atendimento clínico aos EIM, recomenda-se que sejam estabelecidos serviços de referência para atendimento emergencial e/ou ambulatorial, capacitados para as particularidades na abordagem desses dois subgrupos. Diante da possibilidade das “emergências metabólicas” darem entrada na rede de atendimento por qualquer serviço de emergência, não necessariamente de referência em EIM, seria medida de grande eficácia a disponibilização de equipe médica especializada, vinculada à rede, que atuaria de forma itinerante, respondendo à demanda de várias unidades e dando suporte diagnóstico e terapêutico aos pacientes com EIM de toda a rede. O sistema administrativo vigente, que vincula o profissional à unidade e não à rede muitas vezes impossibilita o tratamento eficaz, prejudicando o paciente.
Algumas doenças de depósito lisossomal (DDL) já dispõem de tratamento através da reposição enzimática (Doença de Gaucher / Mucopolissacaridoses I e VI / Doença de Pompe – Glicogenose tipo II / Doença de Fabry), e outros medicamentos estão em fase final de estudo clínico e/ou registro (Mucopolissacaridose II). No entanto, a garantia de fornecimento destes fármacos depende diretamente do Estado, via o reconhecimento do medicamento pela ANVISA e sua inclusão na Política Nacional de Medicamentos (PNM). Atualmente, apenas os pacientes de Doença de Gaucher têm seu tratamento garantido por programa oficial do Ministério da Saúde.
A Constituição Federal, nos artigos 6° e 196°, prevê o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, como direito social e dever do Estado. Além disso, a Lei 8080/90, que institui o SUS, estabelece em seu artigo 6°, que “é atribuição do Sistema Único de Saúde a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”. A PNM inclui a garantia de acesso da população aos medicamentos de alto custo para doenças de caráter individual. 
Experiências bem sucedidas no tratamento de EIM foram instituídas por ações de política pública federal, viabilizando não só a investigação diagnóstica, como também o tratamento por meio do fornecimento gratuito da medicação e suplementação alimentar (Anexo 4). O já referido Programa da Doença de Gaucher, por exemplo, constitui-se num programa de tratamento sob coordenação governamental que dispõe de centros de referência não apenas para a distribuição e aplicação da medicação, mas também para seguimento clinico de acordo com protocolos validados.
Embora tais programas sejam emblemas de bom funcionamento, é primordial ressaltar que se restringem a um número limitado de EIM, tornando premente a ampliação da cobertura assistencial para outros tipos de EIM no estado do Rio de Janeiro. Ressalte-se que a partir da triagem neonatal, alguns neonatos têm sido indiretamente diagnosticados com outros defeitos metabólicos cujo tratamento não está previsto pelo programa. Este é o caso daqueles neonatos que apresentaram dosagem aumentada de fenilalanina no teste de triagem, mas que não tem Fenilcetonúria e sim Tirosinemia. Como não está previsto no programa o tratamento para Tirosinemia não é possível a instituição do tratamento, baseado numa dieta específica, embora o diagnóstico tenha sido realizado numa fase bem precoce.
É fundamental que se tenha clareza de que o tratamento para muitos EIM é uma dieta específica e individualizada, produzida em farmácias de manipulação capacitadas e adequadas periodicamente, conforme a evolução do paciente, não podendo ser encaradas como simples suplementos dietéticos coadjuvantes no tratamento. Suplementos alimentares e cofatores geralmente não são considerados medicamento, embora devessem ser especificados como tal para o tratamento de EIM, o que facilitaria a prescrição e dispensação dos mesmos. Assim sendo, é fortemente recomendado que substâncias voltadas para o tratamento dos EIM, sejam estas medicamentos, fórmulas alimentares ou cofatores, sejam incluídos na listagem de medicamentos excepcionais.
Reitera-se como essencial para controle dos tratamentos o suporte laboratorial por grupo ágil e experiente e a distribuição dos suplementos alimentares e fármacos a ser supervisionada por instâncias governamentais. Deste modo, e de acordo com a Portaria 1318/GM de 23/07/2002, que atribui às Secretarias Estaduais de Saúde a aquisição / dispensação dos medicamentos excepcionais, passaria a ser garantido o tratamento dos EIM não previamente contemplados na listagem.Seria também recomendável que pacientes com diagnóstico igual fossem acompanhados num mesmo centro de referência, possibilitando assim racionalizar a distribuição e ao mesmo tempo otimizar recursos.
O custo elevado das alternativas de tratamento disponíveis, aliado ao desenvolvimento tecno-bio-científico, com a introdução contínua de novos arsenais terapêuticos, acarretarão, a médio e longo prazo, no encarecimento progressivo do diagnóstico e meios terapêuticos. Recomenda-se o desenvolvimento de pesquisas nas instituições públicas voltadas para o diagnóstico e tratamento dos EIM. No quesito tratamento, é válido ressaltar que há farmácias de manipulação altamente capacitadas para a produção de cofatores e dietas especiais para EIM. O estímulo ao desenvolvimento de tais tecnologias com suporte das secretarias de saúde poderá reduzir de sobremaneira os custos com tratamentos importados. Não menos importante é a prevenção da ocorrência de novos casos de EIM nas famílias suscetíveis, tendo como principal instrumento o aconselhamento genético.
Em síntese, a abordagem dos EIM envolve uma equipe multidisciplinar, na qual o entrosamento e a troca de informações deve conjugar conhecimentos e esforços para a melhoria de qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias. No estado do Rio de Janeiro existem diversas instituições médicas de excelência, com tradição no manejo de doenças raras, porém com suporte laboratorial e arsenal terapêutico limitados para os EIM. Faz-se preciso traçar estratégias de formação de uma rede laboratorial credenciada ao SUS, assim como inserir este grupo específico de doenças na prática clínica local, via o entrosamento com as unidades médicas de referência dentro do principio da integralidade, um dos pilares do SUS.

Recomendações do GT para a abordagem aos EIM no estado do Rio de Janeiro:

  • Criação de grupo de trabalho composto por profissionais que lidam com os EIM;
  • Organização de centros de referência para diagnóstico, tratamento e acompanhamento de indivíduos com EIM no Rio de Janeiro
    • Definição da estrutura e dos recursos humanos minimamente necessários
    • Credenciamento laboratorial junto ao SUS
    • Eleger para esta centralização farmácias que já estejam estruturadas em alguns hospitais para elaboração de dietas e manipulação de nutrição parenteral específica para o paciente com EIM
    • Garantia de instituição e continuidade dos tratamentos;
  • Investigação do tipo inquérito visando a coleta sistemática de dados sobre os pacientes, através de questionários periódicos a serem preenchidos pelos profissionais de saúde envolvidos na assistência aos mesmos;
  • Instituição de registro sistemático de casos de EIM (detectados tanto pela triagem neonatal quanto pela investigação direcionada, em laboratórios públicos e privados), visando a coleta de dados para a estimativa de incidência e prevalência dos EIM para subsidiar propostas de ação;
  • Nomeação de um centro de referência como central de registro dos casos de EIM;
  • Propor frentes imediatas de ação:
    • Doenças com tratamento disponível
    • Doenças diagnosticadas a partir da triagem neonatal (com tratamento disponível e não incluídas no programa nacional de triagem neonatal)
    • Doenças de instalação precoce
    • Disponibilização de investigação para EIM em crianças gravemente enfermas;
  • Promover a Educação Continuada, presencial e à distância, de profissionais de saúde envolvidos no atendimento de pacientes em unidades internas e de terapia intensiva neonatal ou pediátrica;
  • Distribuição de material informativo aos profissionais, contendo as últimas revisões e publicações sobre EIM de modo geral ou sobre um tipo específico de erro metabólico, assim como a indicação dos testes-chave para o diagnóstico da doença em pauta;
  • Elaboração de boletins científicos, distribuídos em fascículos, abordando o tema, em parceria com a SOPERJ, a ser distribuído periodicamente aos pediatras;
  • Divulgação de eventos científicos relacionados ao tema e disponíveis para equipes vinculadas ao sistema de saúde.

 

Anexos

Anexo 1 – Sinais de alerta para o diagnóstico de EIM

I – Em neonatos

a) História Familiar de:

  • Pais consangüíneos.
  • Abortos espontâneos, neomortos, hidropsia fetal não imune inexplicada, óbitos neonatais.
  • Familiares afetados por algum EIM.
  • Fenilcetonúria materna.
  • Irmãos com doenças inexplicadas (encefalopatia, sepsis, síndrome da morte súbita do lactente).

b) História gestacional:

  • Síndrome HELLP: hemólise, alteração de enzimas hepáticas e plaquetopenia.
  • Esteatose hepática aguda da gravidez.
  • Trabalho de parto prolongado: pode ser conseqüente à deficiência de esteróide sulfatase no feto, ocasionando diminuição da produção de estrogênio placentário.
  • EIM que cursa com alterações renais pode levar a oligodramnia como por exemplo na síndrome Smith-Lemli-Optiz.

c) Manifestações Clínicas:

  • Hipoglicemia injustificada.
  • Alcalose respiratória em bebê a termo e sem intercorrências perinatais.
  • Acidose metabólica persistente.
  • Cetonúria.
  • Síndrome séptica sem fator de risco para infecção.
  • Cardiomiopatia hipertrófica.
  • Disfunção hepática injustificada.
  • Odores incomuns.
  • Manifestações neurológicas precoces não justificadas por intercorrências na gravidez, parto e período neonatal.
  • Discrasias sangüíneas inexplicadas.
  • Instabilidade térmica.
  • Catarata congênita.
  • Dificuldades alimentares.

 

OBS: Devido ao fator placentário que funciona como um sistema dialítico impedindo o acúmulo de substâncias tóxicas de baixo peso molecular no organismo fetal, normalmente, as crianças com EIM nascem com boas condições de vitalidade, a termo e com peso adequado à idade gestacional. Após período de aparente normalidade, desenvolvem sintomas inespecíficos. Constituem exceção as doenças que afetam o metabolismo energético, tais como: acidose lática primária; acidúria glutárica e hiperglicinemia não-cetótica.

II – Fora do período neonatal

  • Distúrbios metabólicos inexplicáveis
  • Quadros recorrentes de vômitos e/ou desidratação que representam crise metabólica
  • Epilepsia inexplicável e/ou de difícil controle
  • Quadros neurológicos recorrentes como ataxia intermitente ou crises de letargia e/ou coma
  • Quadro neurológico flutuante que alterna consciência com torpor
  • Atraso de desenvolvimento neuropsicomotor ou retardo mental inexplicável
  • Involução do desenvolvimento neuropsicomotor ou perda fala e/ou marcha e/ou compreensão em qualquer idade
  • Hepatomegalia e/ou esplenomegalia inexplicável acompanhada ou não de atraso do desenvolvimento ou retardo mental
  • Anormalidades oculares inexplicáveis como luxação do cristalino ou mancha vermelho cereja ou retinite pigmentosa ou córnea verticillata ou cegueira familiar
  • Quadro semelhante a acidente vascular encefálico inexplicável em qualquer idade.

 

Anexo 2 – Roteiro para investigação laboratorial e diagnóstico dos EIM

* Este anexo tem como maior objetivo exemplificar a complexidade envolvida no diagnóstico e investigação laboratorial dos EIM, e não deve ser interpretado como texto de referência.

Os EIM podem ser divididos, de acordo com as suas manifestações clínicas, em três grupos:

Grupo 1 – Defeito de síntese ou catabolismo de moléculas complexas – caracteriza-se por sinais e sintomas permanentes e progressivos, sem relação com ingesta alimentar. Exemplo: doenças de depósito lisossomal (mucopolissacaridoses, esfigolipidoses, mucolipidoses). Muitas dessas doenças são diagnosticadas a nível ambulatorial e a solicitação dos testes de triagem em urina e plasma para EIM são suficientes para orientar na investigação específica, que consiste de dosagens enzimáticas.

Manifestações clínicas das doenças do Grupo 1:

  • Hidropsia fetal, ascite
  • Hipotonia,convulsões
  • Achados dismórficos/facies grotesca
  • Alterações esqueléticas e de pele
  • Limitação articular
  • Alterações oculares, deficiência auditiva
  • Discrasias sanguíneas
  • Hepato e/ou esplenomegalia
  • Involução no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM)
  • Mieloneuropatias subagudas

 

Grupo 2 – Defeito no metabolismo intermediário – caracteriza-se por sinais de intoxicação aguda e crônica, com intervalos livres de sintomas, observa-se relação com ingesta alimentar. Neste grupo encontram-se as aminoacidopatias, fenilcetonúria, hiperglicinemia não cetótica, as acidúrias orgânicas (acidemia isovalérica, propiônica,etc), os defeitos do ciclo da uréia (deficiência de ornitinatranscarbamilase, argininemia, citrulinemia, etc) e intolerância aos açúcares (galactosemia clássica, por exemplo). As manifestações clínicas podem ser agudas ou crônicas:

  • Intoxicação aguda
  •             Acidose metabólica, desidratação, vômitos, alcalose respiratória, hiperamonemia, letargia, coma, cetose, hiperglicemia, icterícia, hepatomegalia, insuficiência hepática, apnéia, odor anormal, cetose.

  • Intoxicacão crônica
  •             Atraso psico-motor, distúrbio de comportamento, epilepsia, alterações oculares, macro/microcefalia

     

    Grupo 3 – Defeito na produção ou utilização de energia. Os sinais e sintomas advêm de alterações no metabolismo intermediário de fígado, músculo ou cérebro. É o grupo das doenças de depósito de glicogênio (Doença de Von Gierke, por exemplo), das doenças mitocondriais e das hiperlacticemias congênitas (defeitos da fosforilação oxidativa, deficiência do complexo da piruvato desidrogenase, etc) e defeito de b-oxidação de ácidos graxos (Deficiência de Acil-CoA desidrogenase de Cadeia Média ou Longa, Deficiência de Carnitina Palmitoil Transferase, etc). Para as doenças mitocondriais o procedimento investigativo exige biópsia muscular e/ou análises mutacionais específicas.

    Diante da hipótese de EIM deve-se partir para a investigação laboratorial adequada. Preconiza-se a coleta de amostras biológicas no tempo “zero” ou seja, habitualmente antes de qualquer intervenção terapêutica e/ou no momento da crise, especialmente para investigar as doenças dos grupos 2 e 3. Um protocolo de investigação inicial deve ser seguido com fins de se obter êxito no diagnóstico e consiste de:

    • Preenchimento de ficha clínica constando de identificação, história familiar, história da doença atual, peso do paciente e medicamentos em uso.
    • Coleta de amostras: as amostras mais importantes são urina (30-50 ml) e plasma (3-5 ml), para congelamento (-20°C) para envio a um laboratório de referência solicitando a triagem urinária e plasmática para erros inatos do metabolismo incluindo a cromatografia de aminoácidos.

    Os seguintes exames devem ser solicitados ao laboratório de base do hospital no qual a criança está sendo atendida:

    No sangue

    • Hemograma completo
    • Provas de função hepática
    • lactato e piruvato
    • amônia *
    • Na+,Cl- (ânion gap)
    • glicose e cálcio
    • Gasometria arterial
    • Dosagem de 17-OH-progesterona – Não se pode esquecer da hiperplasia congênita de supra-renal na sua forma perdedora de sal, especialmente em recém-nascidos do sexo masculino. Nas meninas a suspeição é mais rápida devido aos diferentes graus de virilização.

    Na urina

    • Pesquisa de corpos cetônicos, medida do pH
    • Pesquisa de substâncias redutoras (Reação de Benedict).
    • Pesquisa de cetoácidos (Teste da Dinitrofenilhidrazina).
    • Pesquisa da deficiência da sulfito-oxidase (Sulfitest – Merck).

     

    * Instruções para coleta de sangue para dosagem de amônia: A coleta deve ser feita cuidadosamente com o mínimo de trauma possível (não garrotear ou fazer manobras com a mão e punho). Colher o sangue em tubo com heparina, centrifugar e separar o plasma em até 15 minutos após a coleta e refrigerar. Idealmente trabalha-se com plasma refrigerado (o plasma é estável refrigerado por até 3 horas e congelado até 24 horas); processar a análise em até 24 horas após a coleta.


    Suspeita clínica X resultados dos testes:

    • hiperamonemia e cetoácidos presentes na urina ® suspeitar de acidemias, aminoacidopatias, ®  cromatografia gasosa para pesquisa ácidos orgânicos na urina e análise quantitativa de aminoácidos no plasma e na urina.
    • acidose metabólica ® análise quantitativa de aminoácidos no plasma e na urina e cromatografia gasosa.
    • icterícia e substâncias redutoras na urina ® cromatografia em camada delgada de glicídios na urina.
    • Para complementação e/ou confirmação de determinados diagnósticos: dosagens enzimáticas e/ou análise molecular.

     

    Após o estabelecimento do diagnóstico, algumas investigações precisarão ser repetidas periodicamente para controle do tratamento.

    Outras amostras biológicas úteis que devem ser coletadas sempre que possível:

    1. Sangue heparinizado: 8-10 ml em seringa heparinizada mantido a – 4°C, utilizada para ensaios enzimáticos, devendo ser coletado antes que o paciente tenha sido transfundido.
    1. Sangue em papel filtro: colher preenchendo os locais indicados, deixar secar bem e posteriormente manter em geladeira (envolvido em saco plástico ou papel laminado).
    1. Biópsia de pele: sob condições estéreis, contendo meio de cultura para células (mesmo do cariótipo), em situações de emergência substituir por soro fisiológico. Em situações especiais, o procedimento pode ser realizado logo após o óbito, as amostras podem ser mantidas até 24 horas, desde que armazenadas a – 4°C e livres de contaminação.
    1. Líquor: coletar 2 a 3 ml, centrifugar e armazenar o sobrenadante a -20°C.
    1. Sangue para análise de DNA: coletar 10 ml de sangue em frasco com EDTA, manter congelado a -20°C.
    1. Em situações especiais – amostras de tecidos como fígado, músculo esquelético. Deve-se coletar 2 a 3 fragmentos por biópsia percutânea até 2 horas após o óbito, embrulhar em papel alumínio e congelar a -20o C, não usar formol.
    1. Nunca é demais ressaltar a importância de serviços de Anatomia Patológica como coadjuvantes no diagnóstico de EIM. Serviços de referência em EIM devem dispor de patologistas experientes em patologia fetal e pediátrica e possibilidade de realização de necropsias.

    Anexo 3 – Abordagem terapêutica dos EIM

    A principal estratégia de intervenção terapêutica é a correção do desequilíbrio metabólico. Para tanto, são utilizadas alternativas para evitar as conseqüências fisiopatológicas do defeito enzimático em determinada rota metabólica:

    A: substrato a ser convertidos em metabólitos intermediários (B e C)
    D: produto
    E e F: rota metabólica alternativa

    • Controle do acúmulo de substrato:
      • Restrição dietética (exemplo: fenilcetonúria)
      • Controle endógeno da produção de substrato (exemplo: tratamento coadjuvante da Tirosinemia com NTBC)
      • Aceleração da remoção do substrato (exemplo: administração de carnitina nas acidúrias orgânicas)

     

    • Reposição do produto deficiente
      • Reposição do produto final (exemplo:hormônio tireoidiano no hipotireoidismo congênito)
      • Terapia de reposição enzimática (exemplo: infusão de glicocerebrosidase para Doença de Gaucher tipo I)
      • Reposição de orgãos ou tecidos (exemplo: transplante hepático)       
    • Reposição de coenzima ou vitamina deficiente
    • Terapia gênica

     

    Anexo 4
    Dados sobre Centros de Referência para o diagnóstico e tratamento de EIM

     

    a) Referendados / patrocinados por programas do Ministério da Saúde

    • Em 2001, o Instituto de Endocrinologia e Diabetes (IEDE) foi reconhecido como Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN). Segundo dados estatísticos fornecidos pelo Instituto, foram diagnosticados desde então 29 casos de fenulcetonúria; 170 casos de hipotireoidismo congênito e 429 casos de doença falciforme, estes últimos acompanhados no HEMORIO.

     

    • Também a APAE-RJ foi credenciada como SRTN. Nos serviços de triagem as crianças diagnosticadas com hipotireoidismo congênito e fenilcetonúria, a partir da triagem neonatal, são acompanhadas por equipe multidisciplinar, recebendo tratamento específico que envolve orientação dietética e fornecimento de leite especial para os fenilcetonúricos, e levotiroxina para aqueles com hipotireoidismo congênito. Segundo dados fornecidos pela instituição, estão em acompanhamento 91 pacientes com fenilcetonúria clássica, 168 com hiperfenilalaninemia (diversas causas), 269 pacientes com hipotireoidismo congênito e 157 hemoglobinopatias (estes acompanhados no HEMORIO). Além dessas doenças, são também acompanhadas pelo programa 5 hiperplasias adrenais congênitas, 2 galactosemias, 2 doenças do xarope de bordo e 1 homocistinúria.
    • O HEMORIO também é centro de referência para tratamento de Doença de Gaucher tipo I, que é baseado na terapia de reposição da enzima glicocerebrosidase. Apesar do alto custo, a manutenção terapêutica está sendo subvencionada pelo Ministério da Saúde (portaria SAS 449/2002), a partir de movimento organizado pela Associação de Pais e Portadores de Doença de Gaucher.

     

    b) Não oficializados como centros de referência em EIM, embora estejam estabelecidos em instituições públicas de referência e sejam reconhecidos pela sua experiência por médicos e instituições do estado do Rio de Janeiro.

    • Hospital dos Servidores do Estado
    • Instituto Fernandes Figueira / FIOCRUZ
    • Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira / UFRJ
    • Hospital Pedro Ernesto / UERJ
    • Hospital Geral de Bonsucesso
    • LABEIM – Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo / Instituto de Química – UFRJ

    O material a ser colhido antes de iniciar tratamento, no intuito de não perder a oportunidade para diagnóstico de EIM, deve constar de: urina (30-50 ml) e plasma heparinizado (3-5 ml), para congelamento a -20°C; amostra de sangue em papel filtro; caso seja colhido líquor para outras investigações, armazenar uma alíquota congelada. Registre-se que o armazenamento destas amostras biológicas será por um tempo limitado e não se define para fim de pesquisa, mas sim para fins diagnósticos de condições que implicam em risco de vida.

    Fonte:Revista de Pediatria SOPERJ – Ano 7 – nº 2 (SUPLEMENTO – VII CONSOPERJ) – Outubro de 2006