Estima-se que 23 a 25% da população no Brasil têm hipertensão arterial (HA) e outra parcela desconhece a doença. Em crianças e adolescentes a prevalência varia de 3 a 15%. É de suma importância aferir a pressão arterial (PA) rotineiramente no exame físico da criança e do adolescente para evitar que exista diagnóstico tardio e subdiagnóstico. Esta medida tem que ser realizada na atenção primária de saúde, para isso é fundamental que os serviços disponham de manguitos pediátricos adequados para todos os tamanhos.
A preocupação com a HA na infância pode ser considerada recente, sendo a primeira diretriz de avaliação da Hipertensão Pediátrica publicada em 1977. Desde então houve 4 atualizações, sendo a última realizada em 2017. No Brasil foi publicada em 2016, na Diretriz Brasileira de Hipertensão, uma parte referente a HA pediátrica, além de termos o manual de orientação em HA na infância e adolescência publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 2019.
As principais modificações entre as Diretrizes americanas de 2004 e de 2017 foram: mudança na nomenclatura e na classificação da PA e seu estadiamento na infância e adolescência, mudança nas tabelas de pressão arterial, investigação das causas de HA, tratamento medicamentoso inicial, níveis-alvo de pressão arterial após o tratamento, avaliação de órgãos-alvo e seguimento ambulatorial do hipertenso.
HA é definida como valores de PA sistólica (PAS) e/ou diastólica (PAD) ≥ P95 para sexo, idade e percentil da altura em três ou mais ocasiões diferentes. A classificação atual considera hipertenso o paciente que tem medidas elevadas na avaliação médica ou fora dela, normotenso o que tem medidas normais independendo de onde e quem meça. Hipertensão do avental branco é definida como PA alterada no consultório e normal fora deste, por monitorização ambulatorial da PA (MAPA) ou monitorização residencial da PA (MRPA). Hipertensão mascarada é a medida casual normal e MAPA com HA. Quanto aos estágios, a classificação atual considera como PA elevada valores de PAS e/ou PAD entre P90 e P95 para sexo, idade e percentil da altura; HA estágio 1: valores de PAS e/ou PAD entre P95 e P95 + 12 mmHg e HA estágio 2: valores ≥ P95 +12 mm Hg.
Todas as crianças maiores de 3 anos devem ter sua PA medida pelo menos 1 vez por ano. Os menores de 3 anos em caso de história neonatal de prematuridade (<32 semanas), baixo peso ao nascer, cateterismo umbilical, complicações que requerem UTI, doenças cardíacas (cardiopatias congênitas corrigidas ou não), transplantes (medula óssea ou órgãos sólidos), neoplasias, uso de drogas hipertensoras (corticoides), doenças associadas como anemia falciforme, neurofibromatose, esclerose tuberosa, aumento da pressão intracraniana, doenças renais, malformações nefrourológicas, infecções do trato urinário, hematúria e proteinúria. Nos maiores de 3 anos ou adolescentes que sejam obesos, usem medicamentos hipertensores, tenham doença renal, diabéticos, com história de obstrução do arco aórtico ou coartação da aorta, a PA deve ser medida em cada consulta médica.
A técnica de aferição da PA é muito importante e deve ser revisada. O método é o auscultatório com aparelho aneroide calibrado ou digital validado. Profissionais de saúde não devem usar manguitos de punho. O manguito adequado para a medida terá sua largura cobrindo 40% do comprimento do braço e seu comprimento circundando 80 a 100% da circunferência. Anotar os valores exatos, sem arredondar, pois, pelo método auscultatório, como o intervalo de valores no manômetro é de 2 mmHg, não existem valores ímpares.
As novas tabelas normativas consideraram a mesma população e métodos do Fourth Report excluindo as crianças com sobrepeso e obesidade, pois estas têm, com frequência, PA mais alta. As tabelas de PA consideram crianças de 1 a 17 anos, com a estatura em cm e polegadas e Percentis (CDC 2000). Para os maiores de 13 anos podemos considerar os valores de PA de adultos, devendo analisar caso a caso, dependendo do estágio puberal. A classificação final será feita de acordo com o nível que for mais elevado (PAS ou PAD). Para os recém-nascidos (RN) a definição de hipertensão é mais difícil, não houve atualização das tabelas e curvas, são utilizados os valores definidos por Dionne et al em 2011. Em crianças após o período neonatal e menores de 1 ano são utilizadas as curvas do 2º Task Force.
Os pacientes com HA podem ser assintomáticos ou apresentarem cefaleia, irritabilidade, alteração do sono, envolvimento renal (hematúria, edema) ou cardíaco (dor torácica, dispneia, palpitação). A HA primária ou essencial é mais frequente acima de 6 anos, associada a obesidade, história familiar positiva, sendo principalmente sistólica. A anamnese e exame físico são fundamentais no diagnóstico das causas secundárias, que deverão ser investigadas de acordo com estes achados. Alteração em órgãos-alvo devem ser avaliadas também. O MAPA é útil para confirmação diagnóstica, avaliação da eficácia terapêutica, descartar hipertensão do avental branco e identificar hipertensão mascarada e hipertensão noturna. No entanto, pode não ser disponível e haver dificuldade de realização e interpretação em crianças.
Os exames complementares são realizados de acordo com história, exame físico e achados iniciais. Deve ser dosada glicemia em jejum para diagnóstico de Diabetes mellitus, TSH quando há atraso do crescimento ou sinais de hipertireoidismo. Polissonografia em caso de roncos, sonolência diurna, apneia do sono. Ultrassonografia com doppler de artérias renais para avaliar estenose de artérias renais, ecocardiograma com Doppler para avaliar coartação de aorta entre outras cardiopatias, assim como alterações na musculatura ventricular secundárias a HA. ECG não é rotina, quando normal não descarta comprometimento cardíaco secundário a HA. Na avaliação de órgãos-alvo devemos solicitar microalbuminúria e/ou proteinúria em pacientes com alteração da função renal. O controle está associado a retardo na progressão da doença renal crônica terminal (DRCT).
O tratamento inclui atividade física e dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) com redução do sal, gorduras saturadas, colesterol, gorduras totais, carne vermelha, açúcares, bebidas ricas em açúcar, leite e derivados. E aumento de potássio, magnésio, cálcio, proteínas e fibras, ingestão de frutas, verduras e produtos sem gordura, grãos, peixes, aves e castanhas. Sempre incentivar exercícios, mesmo nos não obesos. Nos hipertensos atletas, limitar competições se houver hipertrofia de ventrículo esquerdo (HVE) até controlar PA; em estágio 2 – limitar esportes estáticos de alto impacto e competições até controlar PA. O tratamento medicamentoso deve ser instituído quando houver falta de resposta ao tratamento não medicamentoso, hipertensão sintomática, presença de HVE, estágio 2 sem fator modificável identificado, em paciente com doença renal crônica, paciente com Diabetes mellitus 1 ou 2. Os fármacos utilizados no tratamento são: inibidores da enzima conversora da angiotensina, bloqueador do receptor da angiotensina, bloqueador dos canais de cálcio, diurético tiazídico, betabloqueadores, indicados principalmente em coartação de aorta pré-correção. Outros anti-hipertensivos são reservados para os pacientes não responsivos aos demais tratamentos. O objetivo é manter a PA < P 90 ou < 130/80 mmHg (adolescentes); para DRC a PA deve ficar igual ou abaixo do P50 no MAPA. Os pacientes devem ser reavaliados a cada 4 ou 6 semanas para ajuste de doses; após o controle, os intervalos são de 3 a 4 meses. A aderência e os efeitos colaterais devem ser monitorados.
Precisamos tornar a medida da PA uma rotina no exame físico da criança e do adolescente, para que o diagnóstico e o tratamento, principalmente o não medicamentoso, possam ser feitos precocemente, evitando complicações a curto e longo prazo.
Dra. Luciana Cabral Matulevic
Membro do Departamento Científico de Nefrologia Pediátrica
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