Leite materno… Ou qualquer coisa?

Óbvio que o bebê deve se alimentar do leite de sua mãe, não seja por todas as razões naturais e científicas já exaustivamente demonstradas. Mas e aqueles que não podem desfrutar de tal benefício? Em nosso meio, o assunto de qual leite deve substituir o humano na sua falta não é muito discutido em ambiente científico e não faz parte de cursos ou congressos de pediatria. Os pediatras abdicaram de discutir esse tema.

 

Tem receio de que a taxa de aleitamento caia ou não seja politicamente correto tocar nesse assunto? Conseqüentemente quase toda a informação vem da indústria que é vista como tendenciosa porque fabrica os leites apropriados para os bebês, mas pouca gente sabe que a indústria de fato está apenas usando da tecnologia nutricional acumulada com os anos e fruto de muita pesquisa, para obedecer uma espécie de lei internacional obrigatória chamada de Codex Alimentar, que regula a fabricação de alimentos para menores de um ano de idade.

 

Esta norma foi feita para proteger o consumidor evitando que ele compre alimento equivocado para seus filhos. Este assunto é amplamente conversado em países mais desenvolvidos. Já em 1992, ratificando posição assumida em 1983, a Academia Americana de Pediatria não recomenda o consumo de leite de vaca integral (LVI) durante o primeiro ano de vida, seja na forma líquida ou em pó. Justamente esse LVI tão popular em nosso meio, acreditado como o mais saudável e forte e que proporcionaria um desenvolvimento maior. Ledo engano: a idéia de que as fórmulas lácteas para o primeiro ano de vida sejam meras diluições do LVI acrescidas de açúcar e farinhas remonta ao conceito vigente no início do século passado. Vejamos todos os contras. Já em 1971, havia recomendação internacional para que os leites fossem adicionados de ferro, elemento deficiente no LVI; desde 1981 sabe-se que o LVI provoca lesão intestinal com perda de sangue nas fezes e conseqüente anemia; a quantidade de sódio, potássio, cloretos e proteínas são mais do que excessivas para o consumo saudável pelo bebê, o maior malefício estando na vulnerabilidade a desidratação grave.

 

Além disso, a substituição para LVI no lugar dos leites especialmente formulados para o bebê, diminui a ingestão de vitamina C, reduz a metade o consumo de ácido linolêico (óleo indispensável a saúde ) e contribui para manter baixa a concentração de vitamina E no sangue. Sim, o LVI é ótimo para o bezerro, mas sua composição química agride o bebê humano. Em sabendo dos malefícios já amplamente demonstrados cabe perguntar porque tal conceito se arraigou tão fortemente em nosso meio. Alguns alegam que o LVI representa menor custo para o consumidor. Antes de mais nada, mesmo que assim o fosse, não seria lícito nem ético utilizar-se de tal argumento preconceituoso; não se pode impor ou sugerir algo errado porque é mais barato. A inverdade se dá quando o consumidor tem que comprar açúcar e farinhas para restabelecer as calorias e ir a farmácia gastar dinheiro com remédios a base de ferro e vitaminas para tornar o LVI menos pobre. Não estamos computando o custo do gás gasto na eventual fervura quando não é leite em pó. Adiciona-se a isso a dificuldade de preparo, as eventuais diluições prescritas, o maior risco de contaminação pela maior manipulação e o tempo perdido na confecção da mamadeira; no fim para tentar preparar um arremedo de fórmula. Deve-se prestar muito a atenção de que as mães vão "fabricar uma fórmula" prescrita pelo médico ou recomendada pela vizinha em sua cozinha doméstica; na realidade vão tentar imitar muito mal aquilo que já está pronto para vender no comércio feito pela indústria especializada em nutrição infantil com todo o controle de qualidade.

 

O papel de educador do pediatra é fundamental, ajudando a combater junto a seus colegas e a sua clientela práticas alimentares sabidamente equivocadas, apesar de bem aceitas e transmitidas oralmente pelo público leigo. Observamos que não é inútil mas se mostra altamente compensadora, pelos benefícios nutricionais muitíssimo comprovados, uma pequena conversa esclarecedora com o cliente sobre eventuais substitutos mais adequados para o leite materno quando da sua impossibilidade. Escolher um leite adequado faz parte da manutenção da saúde e nutrição adequadas do bebê até um ano de vida. Por favor, vamos abandonar a atitude omissa de: leite materno ou…..qualquer coisa.

 


ANTONIO CELSO CALÇADO – Professor Adjunto Doutor da Faculdade de Medicina e Chefe do Serviço de Gastroenterologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Comitê de Gastroenterologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro.