Não confunda alhos (intolerância à lactose) com bugalhos (alergia à proteína dos leites animais).

Pelo Comitê de Gastroenterologia: Sheila Pércope
Professora Adjunta de Pediatria da UFRJ
Gastroenterologista Pediátrica pela SBP
Membro do Comitê de Gastroenterologia da SOPERJ

Introdução

Um mesmo alimento, como o leite animal, contem componentes que podem determinar sintomas por dois mecanismos: metabólico (defeito na digestão) e imunológico.

Quando mecanismo metabólico está envolvido os problemas se relacionam à lactose, por sua deficiente digestão. A lactose não é digerida e é metabolizada por bactérias da microbiota intestinal, gerando sintomas como gases, distensão abdominal, cólicas, diarreia, assaduras, que passam rápido com sua eliminação da alimentação. Não existe inflamação do intestino.

Quando mecanismo imunológico está envolvido podem surgir vários tipos de reações de hipersensibilidade aos componentes proteicos. Cada mamífero tem proteína específica para seu grupo. Usando proteína diferente daquela do leite humano, pode aparecer inflamação do intestino que não tem melhora imediata com a retirada do leite da dieta, a não ser nas reações imediatas, onde não há inflamação.

Lactose é a mesma no leite de todo mamífero, inclusive no leite materno.

Portanto, não há possibilidade de “alergia à lactose”, pela ausência de especificidade e por ser componente não proteico.

Intolerância à lactose vs. alergia à proteína do leite animal.

Sintomas de intolerância à lactose

Sintomas de intolerância à lactose são assaduras, borborigma, distensão e dor abdominal, diarreia explosiva, flatus e náuseas. A quantidade de lactose, causando sintomas, varia de indivíduo para indivíduo, podendo haver ausência de alguns, como a diarreia. Como visto acima, os sintomas cessam logo com a eliminação da lactose na alimentação da criança. Nesse caso, os leites e fórmulas isentos de lactose são úteis.

Sintomas variam de acordo com a quantidade e a forma do alimento, bem como com o grau da deficiência de lactase, que pode ser:

  • Primária: congênita (raríssima), fisiológica do recém-nascido (processo adaptativo que não merece manobras dietéticas que podem interferir na aquisição de microbiota protetora) e tardia, ontogenética (atividade de lactase diminui em mamíferos, com a idade). A ontogenética ocorre em humanos, após três anos de idade.
  • Secundária: devida a agressões das vilosidades intestinais de qualquer etiologia, com diminuição da atividade de lactase.

Praticamente, não existe intolerância à lactose nos primeiros 3 a 4 anos de vida, a não ser que a criança tenha uma doença do intestino, como Doença Celíaca, Alergia Alimentar, infecção intestinal persistente, entre outras.

Tratamento de intolerância à lactose:

Dependendo da atividade residual de lactase, suspender ou diminuir a lactose. Utilizar leites e fórmulas especiais isentos ou com baixo teor de lactose. Enzima de substituição, lactase, pode ser usada.

Reposição de cálcio, para atingir níveis diários recomendados, sempre deve ser feita.

Sintomas de alergia à proteína dos leites.

Sintomas de alergia à proteína dos leites são vários e dependem do aparelho-alvo, a saber: respiratórios (raros) cutâneos (um pouco mais frequentes) e gastrointestinais.

Além disso, podem ter sintomas imediatos (mediados por IgE), mistos (mediados por IgE e por células) e tardios (mediados por células). A não ser nos primeiros, imediatos, os sintomas não melhoram rapidamente, com a retirada do leite da alimentação da criança, pois temos que esperar a melhora da inflamação causada pela reação à proteína do leite animal.

No que se refere a manifestações gastrointestinais, merecem comentários e destaque as seguintes:

Vômitos e diarreia logo após ingestão do leite animal: alergia mediada por IgE. Digestão e absorção mantidas.

Proctite e Proctocolite: sangue e muco nas fezes, em crianças alimentadas ao seio (quando proteínas oferecidas através do leite materno, úteis para estimular tolerância, determinam alergia em crianças predispostas) ou fórmulas. Digestão e absorção estão mantidas.  Alergia pode ser a múltiplos alimentos, mas nem sempre é.

Alergia ao leite animal, secundária a agressão infecciosa (Diarreia Persistente) e Enteropatia por alergia ao leite animal: digestão e absorção alteradas. Alergia pode ser múltipla, (leites, soja, trigo, ovos…) associada à intolerância à lactose.

Tratamento de alergia às proteínas dos leites:

Seu Pediatra irá escolher a fórmula com proteína do leite modificada que mais se adapta ao tipo de alergia apresentado pela criança. Nas IgE mediadas, nas Proctites e nas Proctocolites e alergias com manifestações fora do tubo digestório, não há necessidade de se retirar a lactose. Em amamentação materna, é feita dieta de exclusão de proteína do leite animal, não de lactose, para a mãe. Como foi dito, o leite materno tem quase o dobro de lactose do que o leite de outros mamíferos e lactose não dá alergia.

Nas alergias imediatas (mediadas por IgE), seu Pediatra indicará, também, tratamento medicamentoso adequado ao caso.

Quando há lesão do tubo digestório alto, as fórmulas com proteína modificada devem ser isentas, também, de lactose, pois existe alteração concomitante de sua digestão.

Fórmulas elementares, de aminoácidos, podem ser primeira opção de seu pediatra em crianças graves, que testará uma fórmula extensamente hidrolisadas após melhora e recuperação do estado nutricional. Serão usadas, também, em alguns casos onde não há tolerância às fórmulas extensamente hidrolisadas.

As fórmula HA, parcialmente hidrolisadas, são usadas para prevenção de alergia ao leite em crianças com famílias predispostas. Não servem para tratamento.

Lembrete importante: exames para detectar IgE específica para alimento
s em laboratórios de rotina e testes cutâneos disponíveis atualmente, só são úteis naquela formas de alergia com sintomas imediatos, mediados por IgE. Nos outros tipos de alergia a alimentos, o diagnóstico é clínico.