O MARCO DA PRIMEIRA INFÂNCIA, A ÉTICA E A VALORIZAÇÃO DO PEDIATRA E A POLÍTICA

Caros colegas associados da SOPERJ,

Em março deste ano o MARCO DA PRIMEIRA INFÂNCIA completou dois anos. Trata-se da Lei federal número 13.257, de 08 de março de 2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, e altera algumas leis como o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, o Código do Processo Penal e a CLT, em prol das crianças com menos de seis anos de idade.

No campo da saúde, esta lei visa a reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância; preconiza o atendimento integral e integrado para esta faixa etária; prioriza a educação infantil em suas diversas vertentes, como o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, a proteção contra toda forma de violência e pressão consumista e a prevenção de acidentes; propõe um instrumento individual de registro unificado de dados do crescimento e desenvolvimento da criança; prioriza crianças em situação de vulnerabilidade e de risco; garante orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar, crescimento e desenvolvimento, prevenção de acidentes e violência, dentre outras, às gestantes e famílias com crianças na primeira infância; assegura atenção à gravidez, ao parto e ao puerpério; incumbe ao poder público fornecer gratuitamente medicamentos, órteses e próteses; garante máxima prioridade ao atendimento a crianças desta faixa etária com suspeita ou confirmação de violência; institui o Programa Empresa Cidadã, que prorroga por 60 dias a licença maternidade, e por 15 dias a licença paternidade.

O parágrafo anterior resume bastante O MARCO DA PRIMEIRA INFÂNCIA. A lei visa, em última análise, ao desenvolvimento integral da criança, foco principal da atenção pediátrica.

O médico, em especial o pediatra, se forma no SUS, e a vertente social é muito forte na sua formação. Também na história da SBP isto fica evidente. Nossa Sociedade foi fundada em 1.910, num prédio que existe até hoje, o Solar, que fica do lado do Centro de Convenções SulAmérica. Neste local havia sido construída a Policlínica das Crianças, tendo a localização sido escolhida pelo pediatra Moncorvo Filho por existirem na região muitas fábricas onde as mães que tinham filhos pequenos trabalhavam. Na época, as pessoas moravam perto das fábricas. Os primeiros pediatras achavam que estavam salvando as crianças do Brasil.

Atualmente os problemas que se apresentam são outros, tão complexos quanto os do início do século XX, mas diferentes. As ações dos pediatras são pequenas, mas relevantes.

Como estão as crianças? Dr. Reinaldo, em 2016, no 18º Fórum da Academia Brasileira de Pediatria, “As transformações da família e da sociedade e seu impacto na infância e juventude”, que aconteceu no mesmo Solar onde foi fundada a SBP, traçou um paralelo entre a Favela da Maré da década de 1970 e a atual. “As moradias eram palafitas, hoje são de alvenaria, atualmente existem escolas, vila olímpica, clínica da família. As crianças caíam na água, a miséria era grande, e os médicos não tinham medo de trabalhar lá. Hoje, existem tanques de guerra nas ruas, no jornal, notícias de crianças atingidas por tiro, tiroteio de semanas de duração. Como resolver?”

Pensamos que a resposta seja com união. União dos diversos setores da sociedade. E participação na política.

A SOPERJ, associação de classe sem fins lucrativos, tem, dentre seus objetivos principais, manter o compromisso com a preservação da vida, do bem-estar e da saúde da criança e adolescente, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente; estudar e promover pesquisas relativas à saúde, ao desenvolvimento somato-psíquico da criança e do adolescente e ao seu bem-estar social; melhorar o nível da assistência à infância e adolescência através da divulgação de conhecimentos da especialidade; colaborar na organização de serviços de pediatria e puericultura e na elaboração de leis ou regulamentos que digam respeito à criança e ao adolescente, mantendo permanente intercâmbio com entidades interessadas, públicas ou privadas, governamentais ou não; participar ativamente de campanhas visando à proteção da criança e do adolescente sob todos os aspectos. Estes e outros objetivos de nossa filiada constam de nosso Estatuto.

Neste sentido, nossa Sociedade, em consonância com a SBP, tem promovido ações no sete eixos estratégicos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), que são atenção humanizada perinatal e ao recém-nascido; aleitamento materno e alimentação complementar; desenvolvimento integral da primeira infância; crianças com agravos prevalentes e doenças crônicas; prevenção de acidentes, violências e promoção cultura paz; criança com deficiências ou em situações de vulnerabilidades; prevenção do óbito infantil. Recentemente, em 21 de setembro de 2.017, foi publicada a portaria número 2.435, também versando no tema.

Dentre estas ações, destacamos a parceria recentemente estabelecida com a Secretaria Estadual de Saúde para o treinamento das equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) em Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) Neonatal. Outro destaque é a participação em fóruns como a Comissão de Acompanhamento da Situação das Cirurgias Cardíacas no Estado do Rio de Janeiro; no III Seminário Maternidade, Uso de Drogas e Convivência Familiar promovido pelo Fórum Permanente correlato, no qual a SOPERJ tem assento; no III Fórum de Pediatria do CFM – O Papel do Pediatra na Prevenção da Violência contra Crianças e Adolescentes; na parceria com o Instituto Desiderata, que trata do diagnóstico precoce do câncer infantil; no III Encontro Internacional sobre o Uso de Tecnologias da Informação por Crianças e Adolescentes, em parceria com ESSE Mundo Digital, que trata de ética, segurança, saúde e educação na era digital; na Rede não Bata Eduque.

A SOPERJ também tem contribuído com estratégias importantes em prol da criança, como as campanhas conjuntas com a SBP, o CFM, o CREMERJ, a AMB, a exemplo da Campanha Crianças Desaparecidas; Campanha Gravidez sem Álcool; Campanha contra o Trabalho Esc
ravo; Campanha Gravidez sem Álcool.

Tanta lei, tantos fóruns, tanta campanha, refletem uma realidade – a situação da saúde de nossas crianças não é boa. Instalou-se um caos na saúde pública, consequente da má gestão do SUS no Brasil e em nosso Estado. Alguns exemplos se seguem: a saúde perdeu, no Brasil, R$ 15,9 bilhões para a corrupção, segundo matéria do Jornal Medicina do CFM de abril de 2.016; nos últimos anos, houve diminuição de 10 mil leitos pediátricos no País; no Estado do Rio de Janeiro, no mesmo período, 800 leitos de internação em pediatria clínica foram desativados na rede pública de saúde; na capital foram 350 leitos, sendo 115 públicos e 235 na saúde privada/suplementar; um estudo do CREMERJ publicado no Jornal do CREMERJ em agosto de 2.017 aponta que 27% das unidades da rede pública da Baixada Fluminense foram fechadas; faltam leitos de CTI pediátrico; as emergências pediátricas enfrentam grave falta de médicos; faltam recursos em maternidades.

O estrangulamento das unidades do SUS, incluindo centros de referência como hospitais universitários, e a transferência dos cuidados para a saúde suplementar, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e as Organizações Sociais (OSs) tem contribuído para a precarização do SUS e das condições de trabalho dos médicos e demais profissionais de saúde, que não são mais, em grande parte, estatutários. As equipes de saúde são flutuantes, gerando consequências graves na assistência.

A violência urbana tem deixado marcas impactantes. Um exemplo é o Hospital da Posse, que apresentou aumento de 60% no atendimento a baleados em 2.017. E esta violência atinge a todos. Agressões a médicos, bebê baleado na barriga da mãe, bebê nascido de cesárea de urgência de mãe baleada na cabeça…

Um ponto que defendemos sempre é a presença dos pediatras no matriciamento nas equipes de ESF. Não pode haver atenção primária à criança sem pediatra! Alguns exemplos da situação grave da saúde de nossas crianças são as consequências da epidemia de zika em 2.015; a alta prevalência da sífilis congênita na Baixada Fluminense; a retirada do teste do pezinho do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia e transferência para a APAE em 2.017, deixando de realizar 104 mil exames entre agosto de 2.017 e janeiro de 2.018…

No 38º Congresso Brasileiro de Pediatria, em Fortaleza, foi publicada a CARTA DE FORTALEZA – EU PEDIATRA CUIDANDO DO FUTURO DO BRASIL, e o MANIFESTO EM DEFEZA DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES. Nosso XIII CONSOPERJ, em outubro deste ano, terá como tema principal O PEDIATRA E A FAMÍLIA.

Tudo isso para dizer que temos que fazer valer os direitos das crianças, o pediatra é também o advogado das crianças! E isso passa pela ética e a valorização de nossa categoria. Passa por fazer política. Política – esta palavra que se tornou tão maltratada… Quando política é tudo que se relaciona a polis – cidade-estado na antiguidade – sociedade, comunidade, coletividade, e que permite que cada indivíduo expresse suas diferenças e seus conflitos sem que isso se transforme em caos social. Organizar, dirigir, administrar o espaço público, compatibilizando interesses…

Mãos à obra, colegas, temos que participar! Sair de nossa zona de conforto, que está cada vez menor… Participar da política. Que tal começar pela SOPERJ? Nosso Grupo de Trabalho de Ética e Valorização Profissional está sempre de portas abertas para novos componentes. No XIII CONSOPERJ teremos o Fórum de Ética e Valorização Profissional, para o qual estão todos convidados! Atenção, não participar também é uma posição política… Platão já dizia: “o castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus.”

Isabel Rey Madeira

Presidente da SOPERJ

Triênio 2016-2018