A visão é um sentido muito importante para o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Quando o bebê nasce, ele enxerga pouco e a visão vai se desenvolvendo conforme as experiências visuais. Para que este processo ocorra adequadamente é importante a integridade das estruturas oculares e do sistema nervoso central, onde a visão é processada. O amadurecimento visual ocorre durante a primeira década de vida, sendo exponencial de 0 a 6 meses de idade.
Dra. Susana Knupp
A prevenção da cegueira e da deficiência visual infantil é uma das cinco prioridades da Iniciativa Global da Organização Mundial de Saúde (OMS)/Agência Internacional de Prevenção da Cegueira (IAPB) “Programa Visão 2020 – O Direito à Visão”.
Como medir a visão da criança
Do nascimento aos 3 anos de idade, o exame oftalmológico difere bastante do exame do adulto. O pediatra começa realizando a teste do reflexo vermelho (TRV). Nos primeiros anos de vida as crianças não informam quanto enxergam e a avaliação da função visual baseia-se na habilidade de fixar luz e objetos, segui-los e manter a fixação do olhar (avaliação em ambos os olhos e em cada olho separadamente), na reação quando se oclui um dos olhos, se é capaz de localizar e explorar objetos.
Como a visão nos primeiros meses de vida de desenvolve rapidamente, para crianças menores de 6 meses, recomenda-se observar importantes marcos da função visual (quadro 1):
Quadro 1: Marcos da função visual: O que se espera em crianças até 6 meses de idade
- Ao nascimento – Piscar com flash de luz
- Aos 3 meses – Procurar a fonte de luz, fixar e seguir uma face de perto
- Aos 4 meses – Observar um adulto que esteja a uns 75 cm, fazer o movimento de convergência para perto, tentar alcançar um objeto que fixou com o olhar.
- Aos 5 meses – Piscar com sustos
Se alguma destas avaliações pelo pediatra mostrar um resultado inesperado, o oftalmologista deve ser consultado.
Depois dos 3 anos de idade o exame da criança é muito semelhante ao do adulto, uma vez que é capaz de informar a acuidade visual com o reconhecimento de formas.
Principais causas de cegueira no Brasil
As principais causas de cegueira na infância podem variar amplamente, sendo fatores determinantes o nível de desenvolvimento socioeconômico e a disponibilidade de cuidados médicos primários.
Os dados que possuímos no Brasil sobre as principais causas de cegueira foram obtidos em escolas de cegos e baixa visão e não devem ser extrapolados para a população. São elas: a retinocoroidite por toxoplasmose, a catarata infantil, o glaucoma congênito, a retinopatia da prematuridade, as alterações do nervo óptico e a deficiência visual de origem cortical. O retinoblastoma é um tumor raro, que pode ser causa de cegueira e pode levar ao óbito.
Como prevenir problemas oculares?
Identificação de fatores de risco na gestação
Infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis, herpes, Zika) |
Uso de drogas (álcool e drogas ilícitas) |
Uso de medicamentos teratogênicos (talidomida, misoprostol, benzodiazepínicos) |
Síndromes genéticas (Down, Edwards, Moebius, entre outras) |
A prevenção de problemas oculares se inicia no pré-natal. Infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis, herpes, Zika) podem afetar os olhos e o sistema nervoso central, sendo importante diagnosticar e tratar precocemente, além de acompanhar a gestante e o recém-nato. A exposição ao álcool e drogas ilícitas (cocaína e crack), às medicações (talidomida, misoprostol, benzodiazepínico) também pode interferir no desenvolvimento visual. Alterações metabólicas e síndromes genéticas podem comprometer a formação dos olhos e SNC. A identificação precoce durante o pré-natal dessas condições permite a orientação da família acerca da possibilidade de que possa haver algum comprometimento ocular e intervenção precoce, quando estiver indicado.
Teste do Reflexo Vermelho
Todos os recém-nascidos devem ser submetidos ao reflexo vermelho (TRV) pelo pediatra ou médico de família antes da alta da maternidade e pelo menos 2 a 3 vezes/ano nos 3 primeiros anos de vida |
Problemas oculares detectados pelo TRV
Catarata (alteração da transparência do cristalino) |
Glaucoma (aumento da pressão ocular, que cursa com aumento do diâmetro da córnea e altera sua transparência) |
Infecções congênitas – alteração da transparência do cristalino e vítreo |
Retinoblastoma (alteração da transparência do vítreo por tumor intraocular) |
Descolamentos de retina |
O teste do reflexo vermelho (TRV) é uma ferramenta de rastreamento de alterações que possam comprometer a transparência dos meios oculares, devendo ser realizado pelo pediatra. É um teste de triagem, não é um teste diagnóstico, não sendo, portanto, adequado para a identificação precoce de tumores oculares ou descolamento de retina.
Os problemas oculares que podem levar ao comprometimento da transparência dos meios oculares são: catarata (alteração da transparência do cristalino), glaucoma (aumento da pressão ocular, que provoca aumento do diâmetro da córnea e altera sua transparência), infecções congênitas (que levam a alteração da transparência do cristalino ou do vítreo pela inflamação), retinoblastoma (alteração da transparência do vítreo por tumor intraocular) e descolamentos de retina tardios.
A caderneta da criança disponibilizada pelo Ministério da Saúde dispõe de um campo para anotação se o reflexo vermelho foi alterado ou não e deve ser preenchido pelo pediatra.
Uma vez detectada qualquer alteração, o neonato precisa ser encaminhado para esclarecimento diagnóstico e conduta precoces em unidade oftalmológica especializada.
Quando deve se recomendar uma consulta com oftalmologista
A tabela abaixo mostra as principais alterações que devem ser analisadas a cada idade e quando encaminhar a criança ao oftalmologista.
Recém-nascido | TRV suspeito ou alterado |
Suspeita de ptose, nistagmo ou estrabismo | |
Doenças associadas a manifestações oculares, como distúrbios metabólicos e síndromes genéticas | |
Exposição a infecções congênitas (como toxoplasmose, rubéola, sífilis, citomegalovírus ou Zika) | |
História familiar de catarata infantil, glaucoma infantil ou retinoblastoma | |
4 a 6 semanas de vida | Risco de retinopatia da prematuridade (peso ao nascimento <1500 g e/ou < 32 semanas de idade gestacional ou o critério adotado na sua localidade) |
0 a 6 meses | Caso o pediatra suspeite de alterações oculares, |
TRV suspeito ou alterado | |
Qualquer atraso do desenvolvimento visual | |
6 meses a 3 anos | Caso o pediatra note alterações nas estruturas oculares,
|
TRV suspeito ou alterado | |
Entre 3 e 5 anos | Sempre recomendar de rotina |
Maior de 5 anos | Quando a visão for pior que 20/40 em qualquer um dos olhos |
Recentemente a SBOP (Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica) emitiu as diretrizes brasileiras sobre a frequência ideal para a realização de avaliação oftalmológica e exames recomendados em crianças saudáveis menores de 5 anos. Destacam-se alguns pontos relevantes destas diretrizes.
É recomendado, para todas as crianças, ao menos um exame oftalmológico completo entre 3 a 5 anos de idade, idealmente aos 3 anos. Antes disso, entre 6 meses e 1 ano de idade pode ser realizado um exame oftalmológico caso haja qualquer dúvida sobre o desenvolvimento visual.
Atrasos no desenvolvimento visual, tais como os listados acima na tabela até 6 meses de idade, a falta de contato visual nos primeiros 2 meses de vida ou quando não mostram sorriso social ou percepção de suas próprias mãos aos 3 meses, não pegam brinquedos aos 6 meses ou não reconhecem rostos aos 11 meses, devem ser considerados para a realização de um exame oftalmológico.
Entre 5 e 8 anos de idade, idealmente, as crianças devem ser submetidas à triagem anual da visão monocular, e aquelas que falharem (acuidade visual menor que 20/40 em pelo menos um olho) devem ser submetidas a uma avaliação com oftalmologista. Políticas públicas de saúde devem ser desenhadas para realizar essa avaliação, que poderia, por exemplo, ser realizada nas escolas.
Erros refrativos não corrigidos podem ser responsáveis por até 69% dos problemas visuais que ocorrem na infância. Dependendo do grau do erro refrativo e da idade da criança, esses problemas podem ser potencialmente ambliogênicos se não corrigidos, ou seja, podem levar à deficiência visual. Segundo a Organização Mundial da Saúde e o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, estima-se que 23 milhões de crianças na América Latina tenham problemas de visão relacionados a erros refrativos não corrigidos, que podem afetar seu desenvolvimento, escolaridade e desempenho social.
Se detectada e tratada precocemente, a ambliopia é a segunda doença ocular com maior possibilidade de tratamento (depois dos erros refrativos) e acomete cerca de 2%-4% da população pediátrica. Geralmente é tratável se diagnosticado precocemente; no entanto, devido à dificuldade em detectar a doença, centenas de milhares de crianças nos Estados Unidos e milhões ao redor do mundo sofrem perda de visão desnecessária e permanente a cada ano. Em geral, os benefícios do rastreamento e tratamento da ambliopia superam os custos e eventuais danos. A ambliopia não tratada pode ter um efeito negativo na função visual, qualidade de vida e capacidade laboral. Por esse motivo, o tratamento da ambliopia tem se mostrado um dos procedimentos médicos mais rentáveis do mundo. A presença de estrabismo pode levar à supressão do olho não dominante e pode ser a causa de ambliopia em até 50% dos pacientes.
Quais os desafios atuais?
Os nossos grandes desafios são:
- Conseguir consulta oftalmológica em tempo hábil para a confirmação diagnóstica do TRV alterado, a fim de promover o tratamento correto, se necessário. A demora pode resultar em perda da oportunidade de intervenção no momento mais adequado para evitar a instalação do déficit permanente de visão. Infelizmente, na maioria das vezes a janela de oportunidade para alcançar um resultado visual satisfatório é perdida.
- Acesso a todas as crianças brasileiras a um exame oftalmológico entre 3 e 5 anos de idade.
- Treinamento de pessoal para triagem em escolas, com seleção das crianças em idade escolar que precisam de uma consulta oftalmológica, o acesso ao oftalmologista e garantia da aquisição dos óculos.