Esclarecimentos sobre Raiva Humana

A raiva é uma doença de caráter universal, infecciosa viral aguda, muito grave, uma zoonose que acomete mamíferos, inclusive o homem, com prognóstico fatal em aproximadamente 100% dos casos, mas evitável.

É conhecida desde a antiguidade, quando a referiam como uma doença que acometia cães e homens, tornando-os “loucos”.

O cientista francês Louis Pasteur em 1881 conseguiu isolar o vírus e produzir a primeira vacina antirrábica em 1884.

Agente etiológico

É causada por um vírus pertencente à família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus.

Possui aspecto de projétil de arma de fogo e o genoma constituído por RNA.

Reservatório

A raiva apresenta dois principais ciclos de transmissão: urbano e silvestre, sendo o urbano passível de eliminação, por se dispor de medidas eficientes de prevenção, tanto em relação ao ser humano, quanto à fonte de infecção.

No Brasil caninos e felinos constituem as principais fontes de infecção nas áreas urbanas.

Na zona rural, a doença afeta animais como bovinos, equinos, suínos, caprinos, entre outros de interesse econômico ou de produção, e tem no morcego o principal reservatório, responsável pela transmissão do vírus.

Os morcegos são os responsáveis pela manutenção da cadeia silvestre, porém outros como raposas, cachorro do mato, gatos do mato, jaritatacas, mão pelada, gambás, saruês e primatas (saguis), também apresentam importância epidemiológica nos ciclos de perpetuação do vírus da raiva, que continua presente no estado do Rio de Janeiro, causando a doença em número significativo de bovinos e equinos, que são infectados por morcegos hematófagos.

O morcego, no momento, vem sendo fator de grande preocupação, já que ações do homem levaram a alterações no ecossistema com consequente urbanização desta espécie.

Modo de transmissão

Apenas os mamíferos são acometidos pelo vírus da raiva e transmitem a doença.

O vírus contido na saliva do animal infectado penetra principalmente através de mordedura e, menos frequente, pela arranhadura e lambedura de mucosas, assim como pela lambedura de pele com ferimento já existente ou de mucosa mesmo íntegra.

A lambedura de mucosas (boca, narinas e olhos), por estas serem mais finas e frágeis que a pele, favorece a introdução do vírus da raiva.

A arranhadura por unha de gato, que tem o hábito de se lamber, pode ser profunda, introduzindo o vírus. Os receptores do vírus da raiva no organismo encontram-se na pele e nas mucosas.

Ao entrar no organismo, multiplica-se no local inserido, atinge o sistema nervoso periférico (nervos) e, posteriormente o sistema nervoso central (cérebro) causando um processo inflamatório grave.  A partir daí, dissemina-se para vários órgãos e glândulas salivares, onde também se replica, sendo eliminado pela saliva das pessoas ou animais enfermos, refazendo o ciclo.

Estudos extensos em cães e gatos mostraram que o vírus da raiva pode ser excretado na saliva de animais infectados vários dias antes que a doença seja aparente. A eliminação do vírus pode ser intermitente e a quantidade excretada pode variar bastante ao longo do tempo, antes e após o início dos sinais clínicos. Nos cães e gatos, a eliminação de vírus pela saliva ocorre de 2 a 5 dias antes do aparecimento dos sinais clínicos e persiste durante toda a evolução da doença. A morte do animal acontece, em média, entre 5 e 7 dias após a apresentação dos sintomas. Não se sabe ao certo qual o período de transmissibilidade do vírus em animais silvestres. Os quirópteros (morcegos) podem albergar o vírus por longo período, sem sintomatologia aparente.

Período de incubação

O tempo entre a exposição e o aparecimento dos sintomas é chamado período de incubação, e pode durar de dias a anos, média de 45 dias no homem.

Em crianças, o período de incubação tende a ser menor que no indivíduo adulto.

Está relacionado à extensão e profundidade da mordedura ou arranhadura, local da exposição (a que distância do cérebro), o tipo de vírus da raiva e qualquer imunidade existente.

Manifestações clínicas

No ser humano a raiva causa uma encefalite viral aguda que pode acometer crianças e adultos.

Após um período de incubação variável, surgem sintomas e sinais inespecíficos. que duram em média de 2 a 10 dias. O paciente apresenta mal-estar geral, febre baixa, dor de garganta, falta de apetite, dor de cabeça, náuseas, vômitos, irritabilidade, sensação de angústia. Podem aparecer aumento de gânglios e muita sensibilidade e dormência no trajeto dos nervos periféricos, próximos ao local da mordedura.

A infecção da raiva evolui com manifestações mais graves, como febre elevada, ansiedade, insônia, hiperexcitabilidade, delírios, espasmos musculares involuntários generalizados, convulsões. Espasmos dos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem quando o paciente vê ou tenta ingerir líquido, com salivação intensa, medo de água (“hidrofobia”). As contrações musculares evoluem para um quadro de paralisia, levando a anormalidades do coração e respiratória, retenção urinária, constipação intestinal, dificuldade para deglutição, fotofobia.

O paciente fica consciente, com período de alucinações, até evoluir para o coma e posteriormente ao óbito.

Os animais com raiva costumam apresentar dificuldade para engolir, salivação abundante; mudança de comportamento; mudança de hábitos alimentares; e paralisia das patas traseiras.

Nos cães e gatos a raiva pode se manifestar sob a forma furiosa (o animal apresenta angústia, inquietude, excitação e agressividade) ou paralítica (forma mais leve sem manifestação de agressividade, apresentando sinais de paralisia que evoluem para a morte).

Os morcegos, com a mudança de hábito, podem ser encontrados durante o dia, em hora e locais não habituais.

Medidas de prevenção

A raiva é de extrema importância para saúde pública, devido a sua letalidade, por ser uma doença passível de eliminação no seu ciclo urbano (transmitido por cão e gato) e pela existência de diversas medidas eficientes de prevenção, como a vacinação humana e animal, a disponibilização de soro antirrábico humano, a realização de bloqueios de foco, entre outras.

Através de comunicados do Ministério da Saúde (MS), a SES-RJ alerta a população do estado para que redobre os cuidados preventivos principalmente no trato de cães e gatos domiciliados, semi-domiciliados e de rua, além de animais de importância econômica (boi, cavalo, porco etc.).

 Muita atenção, orientações e cuidados em relação às crianças, principalmente no período das férias, pois as mesmas gostam de mexer em animais, tanto domésticos quanto silvestres.

É importante evitar aproximação de cães e gatos sem donos, não mexer ou tocar neles, sobretudo quando eles estiverem se alimentando ou dormindo. A orientação é de que se evitem ao máximo os acidentes com esses animais e com os animais silvestres, como mordedura, arranhadura ou lambedura. Nunca toque em morcegos ou outros animais silvestres diretamente, principalmente quando estiverem caídos no chão ou encontrados em situações não habituais.

O risco de transmissão do vírus pelo morcego é sempre elevado, independentemente da espécie e da gravidade do ferimento. Por isso, todo acidente com morcego deve ser classificado como grave.

A Secretaria Estadual de Saúde reitera que as campanhas de vacinação canina e felina, assim como as medidas de orientação/prevenção para população devem ser reforçadas anualmente, pois a vacina é válida por 12 meses.

Profilaxia

Devido ao período de incubação da raiva ser bastante variável, a profilaxia da raiva humana pós-exposição, quando indicada, deve ser iniciada de imediato, visando à proteção contra o adoecimento.

Uma pessoa agredida por animais como cães, gatos, morcegos, macacos e outros mamíferos deve procurar imediatamente uma Unidade de Atenção Primária de Saúde do município (Clínica da Família ou Centro Municipal de Saúde) para receber atendimento e orientações.

Lave imediatamente o ferimento com água e sabão.

Na profilaxia da raiva humana podem ser utilizados dois os tipos de imunobiológicos, a vacina e o soro antirrábico.

Este último é utilizado apenas em determinados casos da profilaxia pós-exposição.

Avaliação da necessidade de vacinação do tétano.

Nunca interrompa o tratamento preventivo sem a orientação do profissional de saúde.

Após os sintomas aparecerem, as medidas profiláticas são inúteis e a raiva geralmente resulta em paralisia muscular e morte por parada respiratória.

Se a agressão for por cão ou gato não mate o animal, deixe-o em observação durante 10 dias, para que possa ser identificado qualquer sinal sugestivo da raiva. O animal deverá receber água e alimentação normalmente, em um local seguro, para que não fuja ou ataque outras pessoas ou animais.

Caso o animal adoeça, altere o comportamento, fuja ou morra, comunique o ocorrido imediatamente ao Serviço de Saúde.

Ao encontrar algum morcego vivo ou morto em situação anormal, como caído no chão, pendurado em janelas, cortinas, em cima da cama, à luz do dia, não toque no animal e telefone imediatamente para o serviço de controle animal (ZOONOSES OU VIGILÂNCIA AMBIENTAL OU SANITÁRIA), solicitando o recolhimento.

Quando um animal apresentar um comportamento diferente, mesmo que ele não tenha agredido ninguém, comunique o fato ao Serviço de Saúde. Se o animal morrer, ele não deve ser enterrado ou jogado fora. O Centro de Controle de Zoonoses ou a vigilância ambiental municipal deve ser informado.

Notificação de caso de raiva humana

Todo caso suspeito de raiva humana é de notificação compulsória e imediata.

Suely Kirzner –  Membro e Secretária do Departamento Científico de Saúde Escolar

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