RETORNO À ESCOLA: DESAFIOS A ENFRENTAR

A volta às atividades escolares presenciais continua enfrentando inúmeros desafios e a demandar esforços de toda a comunidade escolar e dos pediatras, apontando para o fortalecimento de ações intersetoriais complexas.

Recomendações do Departamento Científico de Saúde Escolar da SOPERJ

às famílias e às escolas.

Sobre a escola:

Dentre as modalidades existentes, o ensino presencial, onde todo o conteúdo do curso é transmitido dentro da escola e com frequência diária, é a modalidade mais tradicional.  Não há dúvida, de que é aquela que ainda guarda em si inúmeras vantagens quando em condições epidemiológicas normais. Entretanto, nesse momento de pandemia, deve-se ter muita cautela e organização quanto ao retorno às “atividades normais”. Passa-se então a questioná-la como única possibilidade.

A volta às aulas não representa uma mudança simples, significa reconstrução em alguns casos de todo um projeto, levando-se em consideração que o que existia necessitava de reestruturação e equidade. Numa visão otimista, essa nova ordem poderá representar uma excelente oportunidade de corrigir o que não estava bom e com isso reescrever a história da educação num viés mais inclusivo e acessível à toda população.

Não há como voltar ao ponto onde se parou, até porque nesse tempo, em muitos casos, a programação prosseguiu. E ainda, por algum tempo, o retorno às atividades não será pleno, e sim parcial, híbrido e gradativo.

Será necessário considerar o cumprimento da carga horária, o desvio da criança para outras atribuições na ajuda à família, o risco de evasão pela cooptação para atividades ilegais, a necessidade de investimentos na atualização e formação pedagógica dos professores. Tudo isso demandará ações intersetoriais complexas.

É bom salientar que a escola é importante fator de proteção, especialmente nos casos de vulnerabilidade social, protegendo crianças e adolescentes de várias formas de violência, de alimentação inadequada e de agravos à saúde.

Sobre os cuidados:

Regras de ouro foram publicadas no DO, artigo 16 do decreto 47.488 de 2/6/2020, com versão atualizada em 27/06/2020, citando a higienização das mãos, etiqueta respiratória, uso de máscara, distanciamento de dois metros, cuidados no uso de elevador, manutenção dos ambientes arejados, oferta de máscaras e suas limitações aos menores de dois anos de idade, luvas, toucas e equipamentos de proteção individual às equipes de limpeza, higienização de todas as superfícies nos estabelecimentos de prestação de serviços a cada três horas  e no final do expediente uma limpeza completa da escola. Para cada item desses citados, temos um desdobramento de outras ações preventivas. Por exemplo, a necessidade de deixar as janelas abertas para arejar os ambientes irá exigir, em algumas escolas, eventuais adaptações estruturais, com a colocação de telas ou grades de proteção para prevenir acidentes.

Todas as medidas requerem pesados investimentos e manutenção, além do que já era esperado anteriormente, por período indefinido.  As escolas passaram a produzir seus protocolos baseados em informações oficiais ou de especialistas, que podem até ampliar as recomendações e cuidados, trazendo mais atribuições e as consequentes despesas para si e para as famílias, agravando desigualdades pré-existentes. Há que se fortalecer a relação da escola com a família.

O transporte escolar requer muitos cuidados e representa a necessidade, mesmo com o escalonamento das turmas, de frequentes viagens ou frota maior, respeitando a exigência de distanciamento. Cabe acrescentar que boa parte dos estudantes utiliza o transporte público que em geral é congestionado e insuficiente.  A higienização deve ser permanente.

A chegada à escola e todo aparato técnico que cerca esse momento será, talvez, melhor absorvido e cumprido do que a obrigatoriedade do distanciamento social, considerando nossa população latina, cheia de emoções para compartilhar. A escola deve ser cada vez mais acolhedora, criativa, ampliar à atenção e escuta qualificada num ambiente rico para novas descobertas, com conteúdo para incentivar pesquisas e interações.

Considerando os alunos da Educação Infantil e da Educação especial, pressupõe-se um extenso trabalho pela frente, com novas adaptações para o seu acolhimento.

Destacamos a importância, dentro da escola, da conscientização e disciplina em conseguir executar as medidas de sinalização do trajeto às salas de aula, de espaçamento entre os alunos, de higiene pessoal, de uso de máscaras e de uso de álcool em gel, preconizadas pelo Ministério de Saúde, além dos cuidados de limpeza executados pelos funcionários. É imprescindível estar em dia com o calendário oficial de vacinações.

Sobre saúde:

O pediatra tem papel importante em dar suporte às famílias não somente como orientador e conselheiro das questões de saúde física e mental que venham a ocorrer, mas também reforçando a recomendação para que o aluno doente não frequente a escola e busque seu atendimento na rede do SUS ou junto a rede conveniada ou particular. Em caso de adoecimento por qualquer motivo, será fundamental a avaliação criteriosa do pediatra, encaminhamento para exame diagnóstico, identificação de contactantes, inclusive na perspectiva de decidir sobre o momento ideal para o retorno ao convívio com os colegas e educadores, após o período de doença.

As crianças, em comparação com adultos, são mais afetadas no âmbito do desenvolvimento psicológico do que fisicamente. A psiquê infantil poderá sofrer abalos com toda a carga emocional que essas crianças e jovens enfrentam, já que existe importante experiência adversa e potencialmente traumática no convívio com a pandemia e que requer enfrentamento.

Vale, portanto, observar sempre as queixas infantis uma vez que o impacto causado pelo afastamento da escola sobre o desenvolvimento biopsicossocial das crianças e adolescentes será evidente e suas consequências poderão persistir quando da reabertura das escolas. Dessa forma, tanto os alunos quanto os professores, precisarão de uma rede de apoio importante para superar as dificuldades decorrentes desse afastamento no retorno às atividades presenciais.

Nesse sentido será imprescindível fortalecer as ações intersetoriais e as relações da escola com a família e os serviços de saúde.

Abelardo Bastos, Joel Cunha, Olga Passos e Paulo Cesar Mattos
Departamento Científico de Saúde Escolar

Agosto / 2020