Autor:Dr Abelardo Bastos Pinto Jr

Estava parado ali diante daquelas luzes piscando, no último lugar do mundo que gostaria de estar naquela hora, apesar de não ser tarde, afinal o relógio marcava 19:30 horas e me dirigia da Barra para atender a um parto no Humaitá; estava em frente a Rocinha, comunidade que trabalho desde 82 enquanto médico do município incluindo um projeto voluntário em saúde escolar e creches comunitárias na mesma área. Estava assustado, o trânsito quase que totalmente parado, uma dezena de carros de polícia com sirenes ligadas, metralhadoras visíveis, passavam com freqüência, como pano de fundo, aquelas luzes como que enfeitassem aquele clima digno de guerra do terceiro mundo. Estava ameaçado, pelo medo, pelos protetores, imaginava mil situações caso começasse o tiroteio, repensei a vida em flash e dos que estavam ali comigo, sairia do carro, me esconderia ao longo da mureta, pediria a Deus proteção, única capaz de me confortar verdadeiramente naquele instante. Após 20 longos minutos, o trânsito foi fluindo e saí ileso fisicamente dali. Refleti e gostaria de expressar essa reflexão . A Rocinha hoje tem população que chega a quase dez vezes maior que o menor município do Estado do Rio de Janeiro; aquilo é uma cidade, predominantemente nordestina, de um povo que migrou para a cidade grande em busca de um sonho, trabalho e condições “dignas” de viver; a maioria da comunidade que mora ali é de gente trabalhadora que se emprega na zona sul em todos os postos possíveis de trabalho; o crescimento foi desordenado a luz das conveniências e conivências políticas; quem não sabe que o saneamento é precário, que as moradias são insalubres, que as construções não tem engenheiro responsável, que o local é uma colcha de retalhos tirada de um manual de sobrevivência no meio do nada e do tudo no entorno. A ausência de uma política específica para aquela “cidade” e do poder público presente, participante, associado aos baixos índices de cultura vem abrindo espaço para que os outros poderes se fortaleçam e dominem o local. Murar essa “cidade” significa isolá-la mais da realidade e valorizar mais as casas que se apoiarão neste monumento ao descrédito, tendo em vista a incapacidade atual de controle. Dentro de umas semanas essas ocorrências vão dar lugar a outras também importantes no âmbito da cidade e a Rocinha lembrada pelos políticos de ocasião e esquecida, mais uma vez continuará crescendo solitária, resiliente ao descompasso gerencial e social, com muitas adolescentes engravidando, abandonando a escola ou ascendendo socialmente no meio por conta dessa atitude imatura, desassistida e irresponsável que acaba gerando mais abismos e violência. Inúmeras são as sugestões para as escolas, com atividades voltadas para arte, cultura, esportes, lazer, saúde, família, valorizando a fé, respeitando a bagagem regional, ocupando o tempo das crianças e dos idosos, promovendo o respeito aos direitos legais e a autoridade constituída, cursos técnicos e de qualificação; um mutirão social como fazemos nas campanhas de vacinas que dão certo, para entrar e ficar permanentemente sem se preocupar em quem vai ser o próximo governante. Quem sabe juntando todos os trabalhos que já existem na comunidade de forma integrada e objetiva segundo os diagnósticos sociais, partidos políticos sem bandeiras, juntos trabalhando para quem precisa, para todos nós que precisamos.
Voltei tarde da noite, coração apertado, a alegria do nascimento havia por instantes me transportado para o mundo da esperança e “sonhar não custa nada”…

Fonte:SOPERJ