TOXOPLASMOSE E COMPROMETIMENTO OCULAR

Na campanha TODOS CONTRA A TOXOPLASMOSE, a SOPERJ, através do seu GT de Oftalmologia, apoia a Sociedade Brasileira de Uveítes (SBU) em parceria com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).

A toxoplasmose é uma doença de grande prevalência mundial e o Brasil desponta como um dos países com maior número de casos no mundo. A doença adquirida na maioria das vezes é assintomática, porém, quando acomete as gestantes, pode causar sérios danos ao feto através da transmissão transplacentária, também chamada de transmissão vertical.

O protozoário Toxoplasma gondii, causador da doença, é encontrado no trato intestinal de vários animais, principalmente do gato. Uma vez que são eliminados nas fezes podem contaminar o solo e vegetais, os ambientes domésticos e a água. Animais, cujas carnes são utilizadas para consumo, também podem ser infectados quando pastam nesses locais contaminados e transmitir a doença através da ingestão de sua carne malpassada.

A transferência transplacentária do Toxoplasma gondii para o feto, pode ser decorrente de infecção primária da mãe durante a gestação ou próxima à concepção, reativação de infecção prévia ou decorrente de reinfecção com uma nova cepa mais virulenta. O risco de transmissão maternofetal é em torno de 40%, crescendo com o avanço da gestação e podendo chegar a 100% no último mês. Apesar do aumento do risco de transmissão com a evolução da gestação, a doença é tanto mais grave quanto mais cedo comprometer o feto.

Estima-se a proporção de 1 a 10 crianças infectadas pelo T. gondii para cada 10.000 nascidos-vivos (NV) em todo mundo. Em um estudo relativamente recente, na França, foi encontrada a incidência de 2,9 casos para cada 10.000 NV. Em estudo realizado no Brasil, a soroprevalência para toxoplasmose em gestantes variou de 31,1% em Caxias do Sul a 91,6% em Mato Grosso do Sul.

A necrose tissular provocada pela infecção congênita pelo T. gondii pode
comprometer vários órgãos como os pulmões, coração, ouvidos, rins, músculo estriado, intestino, suprarrenais, pâncreas, testículos, ovários, mas, sobretudo, olhos e sistema nervoso central (SNC). As lesões do SNC, como as calcificações cerebrais, hidrocefalia e microcefalia, por exemplo, podem provocar atraso de desenvolvimento, com comprometimento motor, da fala e do aprendizado.

A lesão ocular mais comum, a coriorretinite, pode comprometer a área macular (figura 1) que é responsável pela visão central e provocar cicatrizes retinianas que cursam com deficiência visual e até cegueira.  A doença ocular pode se manifestar também, além da coriorretinite, por catarata, microftalmia e atrofia do nervo óptico, entre outras questões. Todos os recém-nascidos (RN) com suspeita de infecção vertical por toxoplasmose devem ser submetidos a exame de fundo de olho, realizado por oftalmologista experiente, com o oftalmoscópio binocular indireto, o mais rápido possível.

Figura 1: foco cicatrizado de coriorretinite macular em olho direito de criança de 2 anos de idade (arquivo da autora)

 

 

Cerca de 70% dos RN com infecção congênita são assintomáticos ao nascimento, tornando imprescindível o rastreamento da doença e valorização de resultados sorológicos, durante a gestação ou nascimento, conflitantes ou indeterminados. A pesquisa de anticorpos IgM na triagem neonatal é uma importante ferramenta complementar à investigação materna no pré-natal, porém isoladamente não se demonstrou como boa estratégia para o diagnóstico precoce. Assim como os RN, as mães infectadas também são na maioria das vezes assintomáticas. O pré-natal adequado investiga de rotina, em mais de uma ocasião, a infecção materna, possibilitando o tratamento precoce quando necessário.

O tratamento e o acompanhamento desse bebê devem ser realizados por equipe multidisciplinar, tendo o pediatra como figura central para a família. A terapia medicamentosa dos casos confirmados (por exames laboratoriais, de imagem e clínico), sintomáticos ou não, deve ser imediatamente iniciada, preferencialmente na primeira semana. O protocolo padrão de tratamento inclui a sulfadiazina, pirimetamina e o ácido folínico. Quando há comprometimento do SNC (proteína > 1g/dl) e/ou ocular, associa-se a prednisona. O diagnóstico precoce e o tratamento imediato do recém-nascido que foi infectado intraútero garante melhor prognóstico visual e do desenvolvimento psicomotor no futuro.

A prevenção da infecção da gestante é a melhor forma de prevenir a infecção do feto, uma vez que o tratamento da mãe infectada não impede completamente a transmissão para o bebê. Como, então, prevenir a infecção da gestante pelo Toxoplasma gondii e assim evitar a infecção fetal?

  • Evitar comer alimentos crus. Não provar carne crua durante a preparação;
  • Comer verduras e legumes sempre bem lavados, se não for possível comer apenas legumes cozidos e frutas com casca (como banana e tangerina, por exemplo);
  • Congelar a carne por 3 dias, a 15º C negativos;
  • Lavar bem as mãos após manipular carnes cruas e antes de comer; se estiver gestante, procurar usar luvas;
  • Lavar bem as mãos após contato com gatos;
  • Manter seu gato bem alimentado para que ele não precise caçar para comer e nunca oferecer carne crua. Evitar que ele ande pelas ruas e, se não for possível, colocar um pequeno chocalho no pescoço do animal para que ele não consiga “caçar”;
  • A caixa de dejetos dos gatos deve ser renovada a cada 3 dias e colocada ao sol com frequência;
  • Os cães também podem transmitir toxoplasmose ao sujarem o pelo no solo onde haja fezes de gato, logo é importante evitar acariciar animais soltos e só levar o cão para passear em ambientes limpos;
  • Controlar ratos e insetos como moscas, baratas e formigas, descartando corretamente o lixo doméstico e os dejetos das criações de animais;
  • Lavar bem as mãos e as unhas após trabalhar na terra (horta ou jardim). Gestantes devem evitar essa atividade ou utilizar luvas;
  • Como a água pode ser contaminada por fezes de gatos, deve-se manter os reservatórios bem fechados e se a água não for tratada, deve ser fervida antes do consumo.

Lembre-se: Os animais não devem ser maltratados, pois não têm intenção de transmitir a doença. Com os cuidados adequados a prevenção é realizada. Gatos que não saem de casa e se alimentam de ração dificilmente serão portadores do Toxoplasma gondii.

Divulgue essa informação. Juntos podemos combater a toxoplasmose congênita.

Viviane Lanzelotte – Oftalmopediatra

Presidente do GT de Oftalmologia da SOPERJ

 

Referências bibliográficas:

  1. Departamento Científico de Neonatologia (2019-2021). Sociedade Brasileira de Pediatria. Toxoplasmose congênita. Documento Científico Nº 6, julho de 2020. Disponível em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22620c-DC_-_Toxoplasmose_congenita.pdf
  2. Villena I, Ancelle T, Delmas C, Garcia P, Brézin AP, Thulliez P et al. Toxosurv network and National Reference Centre for Toxoplasmosis. Congenital toxoplasmosis in France in 2007: first results from a national surveillance system. Euro Surveill. 2010;15(25):pii=19600.
  3. Thiébaut R, Leproust S, Chêne G, Gilbert R; SYROCOT. Effectiveness of prenatal treatment for congenital toxoplasmosis: a meta-analysis of individual patients’ data. 2007;369(9556):115-22
  4. Wallon M, Kodjikian L, Binquet C, Garweg J, Fleury J, Quantin C et al. Long-term ocular prognosis in 327 children with congenital toxoplasmosis. Pediatrics. 2004 Jun;113(6):1567-72.
  5. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_notificacao_investigacao_toxoplasmose_gestacional_congenita.pdf
  6. Andrade JV, Resende CTACorreia JCFNSC,Martins CMBSCFaria, CCF, Figueiredo MCM  et al. Recém-nascidos com risco de toxoplasmose congênita, revisão de 16 anos. Sci Med. 2018;28(4):ID32169.
  7. Carvalho LC, Queiroz MP. Doenças oculares mais frequentes na baixa visão em crianças. In: Alves MR. Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo Vol II. 4,ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2017. P.1085-92.

Agosto / 2021