Vacinar é preciso!

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Fernando Pessoa

Começamos esse editorial com essa reflexão filosófica que o grande poeta português nos propõe. “Viver não é preciso” nos remete a vida como algo impreciso, uma trajetória cheia de reviravoltas como essa pandemia que nos atravessou nesse ano de 2020. A pandemia da Covid-19 se transformou num dos maiores desafios da saúde pública. Impôs mudanças em nossas vidas e foi necessário nos adaptarmos a novas formas de cumprir os desafios da nossa profissão.

“Navegar é preciso”. Essa fala do poeta nos faz pensar na necessidade e importância da criatividade. Trazendo para a nossa realidade, podemos dizer que essa criatividade está nas conquistas da ciência, na velocidade das pesquisas científicas em busca de tratamentos e vacinas, e de um melhor entendimento sobre o vírus e a doença. Foi um desafio levar informação de qualidade num cenário em que a disseminação de informações falsas era mais veloz do que a disseminação do próprio vírus.

Seguimos com a fé de que adiante encontraremos algo de bom. A comunidade científica do mundo inteiro está se lançando em pesquisas intensas com um único propósito: encontrar uma vacina segura e eficaz. E que venha 2021, com a vacina de COVID e sua ampla distribuição.

Vamos agora ao nosso título. Vacinar é preciso!  Em 2020, nossas taxas de vacinação caíram drasticamente. As recomendações para isolamento e distanciamento social impostas pela pandemia de COVID-19, o medo da população de se expor ao vírus, e outros fatores estruturais levaram a uma importante redução na procura pela vacinação em 2020, intensificando um movimento de queda de coberturas a que assistimos desde 2016.

Vivemos, nos últimos anos, um cenário preocupante de baixas coberturas vacinais para todas as vacinas infantis. Nenhuma das vacinas do calendário infantil atingiu as metas de coberturas de 90% a 95%, segundo dados do Ministério da Saúde. Até outubro passado, nossas coberturas vacinais, entre crianças menores de 1 ano e de 1 a 2 anos era de 64% para BCG; 54% para a hepatite B ao nascimento, 66% para a penta, 65% para a pólio, 56% para duas doses da tríplice viral e de 72% para a pneumocócica 10 conjugada. Entre os adolescentes, as taxas de vacinação foram ainda mais baixas. Em 2020, 40% das meninas de 9 a 14 anos e 30% dos meninos de 11 a 14 receberam a segunda dose da vacina HPV. O reforço da vacina meningocócica C na adolescência, inicialmente oferecido dos 11 aos 14 anos, e agora dos 11 aos 12 com a vacina quadrivalente ACWY, alcançou, no máximo, taxas em torno de 40%.

Sem dúvidas, o cenário de pandemia contribuiu muito para que as coberturas ficassem muito aquém das necessárias. No entanto, em 2019, também não atingimos 95% de cobertura para nenhuma vacina, sendo a maior registrada para a VPC10 (88%) e a menor para a Penta (70%).

Atenta e preocupada a esse cenário, que deixa nossas crianças vulneráveis a tantas doenças infecciosas, a SOPERJ fez, nos meses de setembro e outubro, seu primeiro Curso de Imunizações que contou com os principais estudiosos de “vacinologia” no Brasil. Foram quatro sábados intensos com palestras maravilhosas e a  participação intensa da plateia na discussão de casos clínicos.

Também não medimos esforços em apoiar e divulgar todas as iniciativas do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Além disso, a SOPERJ, representada pelos membros de seus diferentes departamentos científicos e grupos de trabalho, contribuiu para que informações confiáveis chegassem à população. Para isso, estimulou e solicitou que nossos profissionais estivessem disponíveis para dar entrevistas que contribuíssem com esclarecimentos baseados em dados científicos nos principais veículos de comunicação.

Recentemente, abraçamos a campanha #QuemVacinaNãoVacila, da SBIm, que começou em 19 de novembro nas mídias sociais. Uma iniciativa com o objetivo de aumentar a adesão de adolescentes aos calendários vacinais, além de estimular o compromisso de cada um deles com o autocuidado e a prevenção coletiva. Além dos adolescentes, o objetivo é dialogar também com as famílias, os profissionais da saúde, os educadores e difusores de informação. As ações também incluem a landing page https://quemvacinanaovacila.com.br.

Defendemos o direito fundamental da criança e do adolescente à educação. A SOPERJ foi uma das pioneiras na luta pelo retorno das aulas presenciais, entendendo a importância de um posicionamento técnico nesse momento que envolve diferentes fatores para a tomada de decisão das autoridades públicas e para a saúde de nossas crianças e adolescentes. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO) destaca que, quando as escolas fecham, crianças e jovens são privados de oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Essas desvantagens são desproporcionais para alunos desfavorecidos que tendem a ter menos oportunidades educacionais fora da escola.

Entre tantos benefícios relacionados à saúde mental e à segurança de nossas crianças e adolescentes, entre outros, o retorno das aulas presenciais também contribui para o aumento das coberturas vacinais. Não podemos aguardar a vacina de COVID para esse retorno, mas podemos pressionar para que as vacinas já existentes sejam aplicadas.

As decisões são muito difíceis, e envolvem diversos setores da sociedade, mas, fundamentalmente, as áreas da saúde e educação. Sabemos que juntos, nós pediatras, podemos mudar esse cenário de baixas coberturas vacinais e de um retorno seguro às aulas presenciais.

Caros associados, desejamos um 2021 cheio de amor, paz e saúde para toda a família.