Eis um assunto contagiante. Todo pediatra assiste pacientes com doenças infecciosas e tem algo a dizer sobre o grande número de infecções pediátricas. A terminologia específica é vastíssima, repleta de nomes de micro-organismos, sinais e sintomas e exames laboratoriais.
Se echo se traduz por ‘eco’, echoviruses equivale a ‘ecovírus’, certo? Errado! Os echovírus integram o grupo dos enterovírus e seu nome provém de um acrônimo em inglês: E de enteric, C de cytopathic, H de human e O de orphan, isto é, os echovírus são ‘órfãos citopáticos entéricos humanos’ — observe que a mudança de posição dos adjetivos facilitou a compreensão do termo. Vírus órfãos são aqueles que não estavam associados a nenhuma doença por ocasião da sua identificação.
Um capítulo à parte são as abreviaturas. Todo micro-organismo que se preze tem uma sigla para representá-lo, mas deve-se ou não traduzi-la? Alguns autores defendem a manutenção das abreviaturas de micro-organismos em inglês, como RSV (vírus sincicial respiratório) e GABHS (estreptococos beta-hemolíticos do grupo A), mas há controvérsias. Certas abreviaturas, como AIDS e ELISA, estão consagradas pelo tempo. Os textos sobre tuberculose falam em TST (tuberculin skin test), cuja tradução para o português corrente deve ser PPD. Repare que PPD significa derivado proteico purificado, cuja sigla em português seria DPP, mas de novo, PPD está consagrado.
Como traduzir aquele distúrbio raro da função fagocitária, denominado leukocyte adhesion deficiency? Nossa propensão natural é pensar em ‘deficiência da adesão leucocitária’, mas como usamos o termo ‘adesão’ para descrever a capacidade do paciente de cumprir recomendações médicas (em inglês, compliance), voto a favor de ‘deficiência da aderência leucocitária’.
Falemos do imbróglio anthrax x carbuncle. Anthrax é causada pelo Bacillus anthracis e possui três formas clínicas — cutânea, pulmonar e gastrintestinal. Traduz-se por ‘carbúnculo’. Carbuncle é uma infecção piogênica da pele e tecidos subcutâneos, envolvendo folículos pilosos adjacentes, geralmente causada pelo Staphylococcus aureus. Traduz-se por ‘antraz’. Esse conflito de termos e traduções intensificou-se durante os ataques terroristas com pó de B. anthracis nos Estados Unidos em 2001, quando toda a mídia nacional citou os casos de antraz propagados pelo correio. A polêmica gerou até cartas na seção de leitores de O Globo. Qual a solução? ‘Carbúnculo’ e ‘antraz’ podem ser usados como sinônimos da doença causada por B. anthracis. Mas, acredito que a tradução preferencial de anthrax deva ser ‘carbúnculo’.
Você já deve ter se deparado com fomites, objetos como roupas e utensílios que abrigam e transmitem micro-organismos infectantes. Fomites na verdade é o plural de fomes (lembra daquela história da variedade de plurais abordada antes?). Muitos adotam o neologismo ‘fômito(s)’, enquanto a tradução brasileira do dicionário Stedman propõe a tradução literal ‘fomites’. Para piorar, a palavra ‘fomes’ em português tem sentido bem distinto do inglês fomes (veja, p. ex., o Houaiss). Proponho que a tradução seja ‘objetos contaminantes’.
A seguir, uma lista de termos que podem dificultar a sua leitura.
Doenças |
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leukocyte adhesion deficiency |
deficiência da aderência de leucócitos |
roseola |
exantema súbito |
spotted fever |
febre maculosa |
tick paralysis |
paralisia devida ao carrapato |
Micro-organismos/Hospedeiros |
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echoviruses |
echovírus |
kissing bug |
barbeiro |
non-spore forming bacteria |
bactérias não esporuladas |
Exames |
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acid-fast stain |
coloração para BAAR |
antimicrobial susceptibility testing |
antibiograma |
direct fluorescent-antibody stain |
imunofluorescência direta |
India ink |
coloração com tinta nanquim |
wet mount examination |
exame a fresco |
Parasitos |
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flatworm |
platelminto |
guinea worm |
filári |