Ora (direis) ouço estrelas! Certo. Pálido de espanto, eu vos direi: a neuropediatria é adorável, mas tem uma característica que pode afastar aqueles “capazes de ouvir e de entender estrelas” (grande Olavo Bilac!): os textos costumam ser repletos de epônimos, acrônimos e anglicismos. Por favor, abram suas janelas.
Você já ouviu falar na síndrome MERRF? MERFF é o acrônimo de ‘myoclonic epilepsy with ragged red fiber myopathy’. O termo ‘ragged-red’ foi criado pelo neurologista King Engel para descrever as alterações observadas na fibra muscular à coloração tricrômica de Gomori. As mitocôndrias, coradas de vermelho, proliferam e se acumulam embaixo da membrana plasmática da fibra muscular. Muitas pessoas falam ‘fibras vermelhas rasgadas’, mas ‘ragged’ e ‘rasgadas’ são falsos amigos. (Nota: o conceito de falsos amigos é apresentado na primeira coluna de inglês médico.) Na verdade, ‘rasgado’ seria a tradução perfeita de ‘ripped’ ou ‘torn’. Assim, minha sugestão é ‘fibras vermelhas anfractuosas’. Reconheço que o adjetivo ‘anfractuoso’ é algo empolado, mas considero-o perfeito para o aspecto histológico em questão.
Gostaria de mencionar um site na Internet que pode ser muito útil para os que atuam na elaboração de textos técnicos. A BIREME mantém o site denominado “Descritores em Ciências da Saúde” (http://decs.bvs.br/). Podem ser realizadas consultas em três línguas – português, inglês e espanhol. O site atualmente conta com 31.580 descritores. Agora, uma ressalva: discordo de várias das traduções apresentadas. Por exemplo, o termo ‘cobblestone lissencephaly’ é traduzido por ‘lissencefalia cobblestone’, o que me parece equivocado, porque dificulta a compreensão pelo leitor médio. O recurso ao anglicismo deveria ocorrer apenas se todas as tentativas de tradução fossem malsucedidas. Uma rápida consulta ao dicionário nos revela que ‘cobblestone’ são pedras arredondadas usadas em calçamentos, aliás, uma boa descrição metafórica do aspecto macroscópico da lissencefalia do tipo 2. Outro equívoco do site relaciona-se à tradução de ‘basal ganglia’ por ‘gânglios da base’ (ver tabela).
Quem já estudou o exame neurológico em inglês decerto se deparou com a expressão ‘no ifs, ands, or buts’, frase que o paciente deve repetir como parte do exame do estado mental. A frase equivalente mais utilizada por neurologistas brasileiros é ‘Nem aqui, nem ali, nem lá’.
Você já deve ter ouvido em seriados de TV americanos a frase ‘this patient has a DNR order’, muito empregada no contexto de pacientes terminais. Só descobri o significado da abreviatura quando consultei o dicionário médico Stedman: ‘do not resuscitate’. Embora a tradução mais correta de ‘order’ seja ‘prescrição’, minha sugestão é ‘ordem de não ressuscitar (ONR)’.
Uma palavra invejável é ‘seizure’. Toda vez que um estudante ou profissional a ouve, sabe exatamente do que se trata. Especialistas brasileiros baniram aquela que seria a equivalente em português – ‘convulsão’ – sob a alegação de que é uma palavra usada por leigos e, no seu lugar, utilizam ‘crise epiléptica’. Desconfio que o banimento tenha a ver com a palavra ‘convulsion’, um falso amigo, cuja tradução correta é ‘crise motora’ ou ‘convulsão motora’. Assim, ‘nonconvulsive seizure’ é uma ‘crise não-motora’, por exemplo, uma crise de ausência. Alheios aos especialistas, os pacientes falam ‘convulsão’ espontaneamente. Creio que a linguagem médica brasileira teria muito a ganhar se encampasse termos leigos, pelo menos aqueles consagrados pelo tempo. “Saudoso e em pranto”, lamento que palavras tão úteis sejam excluídas do jargão médico.
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