A Angústia de Nunca Saber o Bastante

Maria Angélica B. Varela
Diretoria de Publicações da SOPERJ
No filme “Tempos Modernos” (1936), Carlitos é um operário que aperta parafusos. De tanto repetir esta atividade, ele tem problemas de stress e pensa que deve apertar tudo o que se parece com parafusos. Ele é despedido e internado em um hospital. Após algum tempo, recebe alta aparentemente recuperado, mas com uma eterna ameaça que a vida moderna impõe: correria, poluição, relações interpessoais desgastadas, trânsito congestionado, desemprego.
As novas TICs – Tecnologias da Informação e da Comunicação – trouxeram várias benesses, como a possibilidade de acesso à informação de forma quase irrestrita. Entretanto, possibilitaram, também, o surgimento de outra forma de ansiedade: a de não saber o suficiente, sem se ter uma idéia muito clara sobre o que este termo, de fato, quer dizer. Quais são as reais demandas de conhecimento da sociedade e de cada indivíduo? Será que a informação pode ser considerada uma mercadoria que podemos consumir compulsivamente sem uma adequada reflexão? Diante de tanta informação disponível, ficamos com o sentimento de não saber o suficiente. Isto pode nos levar a um mecanismo automático de ler e reproduzir sem refletir, que remete ao filme de Chaplin.

Não há dúvidas que a Internet mudou as relações pessoais e a forma como lidamos com a produção e disseminação do conhecimento. Entretanto, não se sabe ainda o real impacto nas relações médico-paciente. Se, por um lado, elas dão a possibilidade de atualização ao profissional e de informação ao cidadão, tornando-o participativo dos processos decisórios sobre a sua saúde, por outro, a sociedade pode se tornar refém de informações equivocadas, deixando os usuários muitas vezes inseguros e descrentes diante de tantas novidades, algumas vezes contraditórias. O que dizer sobre sites que avaliam riscos de doenças ao responder questionários que, prescindindo da consulta médica e do exame físico, estabelecem diagnósticos sobre riscos de doenças? Muitos médicos têm observado o número, cada vez mais crescente, de pacientes que chegam aos consultórios com idéias baseadas nos meios de comunicação virtual, nos quais as informações não passaram por qualquer avaliação dos setores responsáveis por disseminar as informações científicas de alta qualidade.
Quem e como devem ser avaliados os conteúdos sobre saúde disponibilizado na Internet? Como as organizações médicas devem se posicionar e conduzir estas questões? Estas e muitas outras perguntas ainda estão sem resposta. De uma forma geral, as tecnologias andam em velocidade muito mais rápida do que as questões relacionadas à ética e à filosofia, que são ciências que respaldam leis e mecanismos avaliadores. Estabelecer critérios de regulação e avaliação sem uma reflexão adequada pode nos levar às fronteiras do cerceamento da liberdade e democracia.
Onde está a solução, numa época onde a relação médico paciente anda cada vez mais parecida com um “cabo de guerra”? Fórmulas parecem não existir em questões onde as relações humanas estão no centro. Então, farei um convite: vamos refletir sobre nossas práticas profissionais e pessoais nos contextos de trabalho? Será que existe alguma semelhança entre nós, a sociedade e Carlitos?