Covid-19: Saúde mental de crianças e adolescentes

Presidente do Departamento de Saúde Mental da SOPERJ, Gabriela Crenzel orienta como os pais devem lidar com crianças e adolescentes para evitar o estresse emocional durante a quarentena 

Após quase seis semanas de isolamento social, crianças e adolescentes também parecem estar no limite. Como contornar esse quadro?

Uma boa forma de enfrentamento é conversar com serenidade sobre a real situação. É importante transmitir a certeza de que é uma situação passageira e que eles não estão passando por ela sozinhos. Os pais devem escolher o que dizer, sem exageros e com otimismo, com termos e exemplos que cada um possa entender, de acordo com a idade e com as possibilidades do momento vida. É recomendável observar se a criança ou adolescente realmente se tranquilizou após a conversa. É importante os pais ressaltarem que sempre estarão disponíveis para voltar a conversar a qualquer momento. Temos que nos esforçar para respeitar o limite de cada um. Estamos todos preocupados e pode ser um alívio, mesmo que parcial, reconhecer que todos temos muitas razões para nos sentirmos desconfortáveis e mesmo assustados. E é exatamente esse reconhecimento que ajuda a não se deixar paralisar.

Como os pais podem suprir a falta da escola e, principalmente, dos amigos?

Sabemos que existem muitas crianças e adolescentes que não gostam muito de ir para a escola, mas, até os mais resistentes, estão sentindo falta da rotina, do ambiente da escola, de ver as pessoas. Saudades dos colegas e até dos professores. Ajuda muito promover, sempre que possível, encontros virtuais, tanto para estudar como para jogar e conversar sobre o que quiserem.

É importante que os pais estabeleçam uma nova rotina regularmente?

Sim, é importante ter uma certa rotina para organizar o dia com a participação das crianças.  Esse tipo de organização pode ajudar a enfrentar a frustração e o tédio. Essa rotina deve ser revista regularmente e modificada sempre que necessário. Os adolescentes podem ter mais autonomia, mas também precisam ser auxiliados para que seus dias não se percam na “mesmice”. É fundamental mexer o corpo e fazer atividades prazerosas. Se dedicar a passatempos das mais diversas modalidades, inclusive as mais rotineiras, como ver filmes e séries. Atividades culturais, criativas e desafiadoras são muito eficazes. E é muito bom dedicar alguns momentos do dia ao relaxamento, que pode ser com meditação, ioga ou simplesmente alguns intervalos para prestar atenção em si mesmo e lembrar de respirar.

A que sinais os pais devem estar atentos no caso de crianças e adolescentes com histórico de depressão ou crise de ansiedade?

É possível que ao longo desse período crianças, adolescentes e, muitas vezes, até adultos apresentem sentimentos vagos de medo, insegurança, apreensão, sensação de estranheza, tristeza e desânimo, além de momentos de irritabilidade exacerbada e muitos outros sintomas. O ritmo de sono e o apetite podem ficar alterados, e isso é totalmente compreensível e razoável. Os parâmetros de gravidade são a duração, intensidade e grau de incapacidade que os sintomas estejam causando.

E o que pode ser feito para atenuar o problema?

Ajudar a manter a saúde física e mental com hábitos alimentares e sono de qualidade. É importante promover um convívio harmonioso, respeitando os limites e a privacidade cada um. Usar a criatividade para explorar as possibilidades de aproveitar o tempo e os espaços de casa. Por outro lado, o isolamento social é também uma oportunidade ímpar para que aqueles que estão precisando conviver, se conhecer melhor e a aprender uns sobre os outros. Deve-se aproveitar da melhor forma o tempo. Inclusive para não fazer nada. Por que não?

Com as crianças estudando a distância em uma situação especial, como o isolamento social, como os pais devem se comportar no que diz respeito à realização das tarefas?

Precisamos entender que as escolas que se propuseram a manter as aulas estão aprendendo a fazer sua programação de ensino a distância e muitos ajustes ainda serão necessários. Para muitas crianças e adolescentes o volume e ritmo de trabalho proposto está pesado demais. É claro que os pais e os alunos precisam respeitar o trabalho pedagógico de cada escola, e os alunos devem tentar acompanhar as propostas, mas isso não deve servir de motivo para embates exagerados. Estamos vivendo um momento único, e todos precisamos exercer a tolerância.  Sabemos que nem sempre será fácil atender a tantas demandas. Muitos pais estão trabalhando em sistema de home office, há inúmeras tarefas domésticas para se fazer. Separar uma ou mais partes do dia para se dedicar à escola, mas sem expectativas exageradas de desempenho. O mais importante é manter o diálogo aberto e fazer o que for possível. Além dos conteúdos pedagógicos, que são importantes, as crianças e adolescentes estão tendo que tentar aprender, e compreender, o que está acontecendo com o mundo.  É um momento de ampliar o conhecimento de muitas formas e de compartilhar tarefas e responsabilidades. Ler com os pequenos, ouvir música, jogar e brincar juntos, cozinhar.  Para aqueles que têm condições, e meios para aproveitar, está disponível, inclusive gratuitamente, uma enorme oferta de atividades culturais de diversas fontes. Filmes, música, museus, shows, concertos, além de diversas atividades físicas guiadas, ioga e meditação. Uma boa fonte de informação é o site da Unicef, que além de disponibilizar informação de qualidade, elaborou um e-book com diversas atividades para as crianças fazerem durante esse período em casa.

https://www.unicef.org/brazil/coronavirus-covid-19.

Qual é o sinal de alerta de que a criança ou adolescente não está lidando bem com o isolamento e que um profissional especializado deve ser procurado?

De forma esquemática, podemos considerar aqueles que apresentem sintomas incapacitantes recorrentes ou duradouros, com desconforto intenso. Se o sofrimento não cede, ou reincide em pouco tempo apesar das medidas de acolhimento e orientação à família, o pediatra que acompanha a criança ou adolescente deverá encaminhar para avaliação psiquiátrica.

E quais são os sintomas recorrentes?

A sintomatologia decorrente de transtornos de ansiedade ou depressão é muito variável.  Pode incluir tristeza ou irritabilidade intensa, isolamento, ideação suicida (especialmente em adolescentes e crianças mais velhas), sérias dificuldades de sono, de se alimentar, isolamento constante, medo intenso e duradouro, crises súbitas de ansiedade com sintomas somáticos como taquicardia e falta de ar, entre outros.

Qual a principal orientação aos pediatras que forem solicitados para atendimentos com esse perfil?

Lembrar que se a família os procurou é porque confia que o pediatra saberá o que fazer e esperam ajuda. Uma importante ferramenta para uma intervenção eficaz diante de pessoas em sofrimento emocional é mostrar-se empático e disponível. Sempre que possível ouvir de forma acolhedora e calma antes de emitir qualquer opinião. Mostrar-se solidário e conversar sobre o que está acontecendo, com termos que a família possa entender e com dados objetivos. Evitar alarmismos, mas reforçar a real necessidade de manter medidas de higiene o isolamento social, e o porquê. O pediatra pode ser a primeira pessoa a quem as famílias possam dirigir seus medos e dúvidas, e tem um papel fundamental na promoção da saúde mental. Deve auxiliá-las na busca de recursos para lidar com o momento que atravessamos.

Que dicas a senhora pode dar a pais, responsáveis e pediatras no trato com as crianças e adolescentes durante o isolamento social?

Cada um pode colaborar na busca de saídas para os desafios do cotidiano. Ao perceber que a criança ou adolescente está com dificuldades, procurar observar e escutar de forma atenta, com serenidade, para acolher e trocar algumas palavras ou gestos que lembrem aquele que está sofrendo que ele não está só. Que estamos passando por um período que tem tempo para acabar, e que estamos fazendo este esforço para nos cuidar e para cuidar de todas as outras pessoas. E que quando este período de isolamento terminar, poderemos voltar a encontrar com os amigos e familiares, frequentar os parques, as praias, voltar a fazer os passeios que fazíamos e alguns novos, que podemos planejar enquanto estamos em casa.