Dia Mundial da Fibrose Cística – 8 de Setembro

Fibrose Cística: O Centro de Referência como pilar de tratamento da doença

Renata Wrobel Folescu Cohen

Patrícia Fernandes Barreto Machado Costa 

Setembro é o mês de conscientização sobre a Fibrose Cística (FC), também conhecida como a doença do beijo salgado, uma vez que os portadores dela apresentam suor mais salgado que o comum. Para isso, foi criado o “Setembro Roxo” para alertar a população sobre sintomas e tratamento desta doença que ainda é desconhecida de muitos. Este mês é marcado por dois dias sendo o primeiro, 5 de setembro de 2009, data foi instituída pela Lei nº 12.136/2009 – o Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da doença, e o segundo se deve à publicação da descoberta do gene causador na Revista Science, feita em 8 de setembro de 1989 – Dia Mundial da Fibrose Cística.1

A FC é uma doença genética, progressiva com repercussão multissistêmica podendo limitar a capacidade respiratória ao longo do tempo. Mais de 30.000 criancas e adultos tem FC nos EUA e 70.000 no mundo. No Brasil, o último relatório do Grupo Brasileiro de Estudos da Fibrose Cística (GBEFC) reporta cerca de 5.700 pacientes acompanhados em centros de referência no país.1

A base genética para FC é autossômica recessiva, ou seja, pessoas com FC herdam duas cópias do gene com mutação, uma de cada genitor. A doença ocorre devido à existência de mutações no gene CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator) que causam disfunção da proteína CFTR. Quando esta proteína não funciona corretamente, não é capaz de mover o cloreto para a superfície celular. Sem o cloreto na superfície não há atração de água e as secreções em vários órgãos ficam espessas. Nos pulmões, esse aumento na viscosidade promove obstrução das vias aéreas propiciando a proliferação bacteriana, levando à infecção crônica, lesão pulmonar e disfunção respiratória. No pâncreas, quando os ductos estão obstruídos pela secreção espessa, há uma perda de enzimas digestivas, levando à má absorção de nutrientes.

Os sintomas de FC são variados e podem incluir tosse persistente, infecções respiratórias frequentes incluindo pneumonia e bronquite, sibilância, dificuldade respiratória, dificuldade de ganho de peso e de crescimento, evacuações diarreicas e com gordura, pólipos nasais, sinusite crônica, baqueteamento digital, prolapso retal e infertilidade masculina. A primeira manifestação em cerca de 10% das crianças com FC é o íleo meconial, uma obstrução intestinal presente ao nascimento que geralmente requer abordagem cirúrgica. A presença de íleo meconial tem sido fortemente associada ao diagnóstico de FC.

Nas últimas décadas, diversos avanços no diagnóstico e tratamento da FC mudaram drasticamente o cenário dessa doença, com aumento expressivo da sobrevida e ganho em qualidade de vida. A mortalidade em FC está associada à doença pulmonar obstrutiva crônica, sendo a insuficiência respiratória causa de morte em mais de 90% dos pacientes. De uma maneira geral, a melhora na sobrevida se deve ao melhor entendimento da importância em otimizar o clearance mucociliar, ao tratamento agressivo das infecções e a correção da deficiência nutricional.

Para que o diagnóstico seja estabelecido é preciso que o paciente apresente pelo menos uma característica fenotípica compatível (sintomas), tenha história familiar de irmão com FC, ou, ainda, tripsina imunorreativa (TIR) sérica elevada detectada durante rastreamento pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), bem como apresente características laboratoriais de disfunção da CFTR.2 Essas evidências podem incluir teste do suor alterado ou medida da diferença de potencial nasal alterados ou presença de 2 mutações conhecidas para FC no gene da CFTR.

Em relação à triagem neonatal, o Brasil atualmente dispõe de um programa de ampla cobertura, bem como centros de referência distribuídos na maior parte dos estados para o seguimento desses indivíduos. 

Recém-nascidos com alto risco de apresentar FC são, na maioria dos casos, identificados através do PNTN e, uma vez que o diagnóstico seja confirmado, acompanhamento e tratamento são iniciados precocemente. Os benefícios do PNTN para FC têm sido amplamente estudados e existem evidências de melhora no estado nutricional e função pulmonar em lactentes, além de contribuir para a sobrevida de pacientes em longo prazo. É importante esclarecer que o “teste do pezinho” não é diagnóstico, mas somente uma suspeita, e a doença deve ser confirmada com o teste do suor.

A FC está inserida no PNTN por se tratar de um problema de saúde pública, segundo o Ministério da saúde, visto apresentar magnitude por afetar grandes populações apresentando altas taxas de mortalidade e potenciais anos perdidos de vida, ter elevada transcendência conferindo medo e ansiedade pela população por suas características de gravidade, numerosas hospitalizações por ano e sequelas e por fim vulnerabilidade no que diz respeito ao acompanhamento da evolução da doença. 

A complexidade da FC e as peculiaridades do seu tratamento resultam na necessidade de centros de tratamento especializados. Neste contexto, destaca-se a importância dos centros de referência para FC, com atuação coordenada de equipes multidisciplinares para diagnóstico e tratamento do acometimento multiorgânico. O atendimento realizado por uma equipe multidisciplinar possibilita tratamentos mais abrangentes e eficazes, resultando em melhor qualidade de vida e aumento da expectativa de vida dos pacientes. Uma equipe multidisciplinar mínima para o atendimento a pacientes com FC deve conter os seguintes profissionais: pediatras (quando houver atendimento a crianças e adolescentes), pneumologistas, gastroenterologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos e assistentes sociais. Os centros de referência devem ter equipes multidisciplinares e recursos para oferecer diagnósticos precisos e cuidado integral ao paciente. Devem ser capazes de tratar ou dar encaminhamento para tratar todas as complicações da FC e atuar em articulação a outras unidades mais próximas da residência dos pacientes.3

Diante do exposto, o Instituto Nacional da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ), classificado como Centro de Referência (CR) em FC – MS / Portaria número 745 de 22/12/2005, e como tal, busca produzir inovações e conhecimentos tanto para o Ministério de Saúde como para as demais unidades de saúde. A equipe presta assistência multidisciplinar a pacientes com FC desde 1992. Atualmente, este centro de referência atende todo o Estado do Rio de Janeiro com mais de 200 pacientes em acompanhamento na instituição. Ao integrar formalmente a rede, o IFF/FIOCRUZ recebe os pacientes encaminhados pela Central de Regulação Estadual de acordo com as atribuições, capacidade e disponibilização de recursos.

No presente momento, o IFF/FIOCRUZ também é o único local do estado do Rio de Janeiro que realiza o exame diagnóstico para a FC: a dosagem de cloreto no suor. Todos os pacientes com menos de 18 anos com teste do suor alterado são encaminhados para investigação e acompanhamento neste Instituto.

Uma vez feito o diagnóstico, o paciente é vinculado ao Centro de Referência em FC (CRFC) e conhece a equipe multidisciplinar para começar a construir o seu plano de tratamento. Cabe ressaltar que os sintomas e a gravidade da doença podem variar bastante entre um paciente e outro. Dessa forma, os planos de tratamento podem conter muitos elementos semelhantes, mas são construídos pela equipe, família e paciente para cada pessoa individualmente. No IFF/FIOCRUZ, os pacientes com FC comparecem ao CRFC a cada 1 a 3 meses para consultas com a equipe multidisciplinar. Tais pacientes são separados em grupos de atendimento (em dias diferentes) de acordo com microbiologia para evitar chances de infecção cruzada.

Existem evidências de que o tratamento em centros de referência especializados, que dispõem de uma equipe multidisciplinar, resulta em melhores resultados clínicos, com impacto no prognóstico. Cabe destacar que o tratamento da FC, na condição de patologia crônica complexa, envolve engajamento do paciente, familiares, equipe multiprofissional do centro de referência e fora deste e da sociedade civil como um todo.

 

Referências

  1. Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística. Relatório do Registro Brasileiro de Fibrose Cística – REBRAFC 2019. Disponível em: http://portalgbefc.org.br/site/pagina.php?idpai=128&id=15.
  2. Farrell PM, White TB, Ren CL, Hempstead SE, Accurso F, Derichs N et al. Diagnosis of Cystic Fibrosis: Consensus Guidelines from the Cystic Fibrosis Foundation. J Pediatr. 2017; 181S:S4-S15.e1. doi: 10.1016/j.jpeds.2016.09.064. Erratum in: J Pediatr. 2017; 184:243.
  3. Athanazio RA, Silva Filho LVRF, Vergara AA, Ribeiro AF, Riedi CA, Procianoy EDFA et al; Grupo de Trabalho das Diretrizes Brasileiras de Diagnóstico e Tratamento da Fibrose Cística. Brazilian guidelines for the diagnosis and treatment of cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2017; 43(3):219-45. doi: 10.1590/S1806-37562017000000065.

Renata Wrobel Folescu Cohen

Pneumologista pediátrica do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira – IFF/ FIOCRUZ

Doutora em Medicina pela UERJ

Professora Adjunta da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ 

 

Patrícia Fernandes Barreto Machado Costa 

Presidente do Departamento Científico de Doenças Respiratórias da SOPERJ 

Pneumologista pediátrica do Instituto Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente Fernandes Figueira – IFF/ FIOCRUZ

Doutora em Medicina Tropical pela FIOCRUZ

Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO