<font color=#E10000>Nota Técnica Caxumba</font>

 18/07/2015

Isabella Ballalai – Membro do comitê de Saúde Escolar da SOPERJ e presidente da SBIM
Tânia Cristina de M. Barros Petraglia – Presidente do comitê de Infectologia da SOPERJ e vice presidente da SBIM-RJ

A caxumba é doença causada por um vírus RNA da família Paramyxoviridae. O período de incubação varia de 12 a 25 dias após a exposição, com média de 16-18 dias.

Embora o vírus da caxumba tenha sido isolado de sete dias antes, até 11 a 14 dias após o início da parotidite, a maioria dos isolamentos positivos e as mais altas cargas virais ocorrem mais próximo do início da parotidite e diminuem rapidamente depois disso. A caxumba é, portanto, mais infecciosa nos dias que antecedem e depois do aparecimento de parotidite. A transmissão ocorre mais provavelmente antes e cinco dias após o aparecimento da parotidite (até 9 dias). Pessoas assintomáticas ou durante os pródromos da doença também podem transmitir a doença.

Doença sistêmica, que pode se apresentar de forma assintomática, a caxumba caracteriza-se por aumento das glândulas parótidas e pode ser acompanhada de febre e dor à mastigação e ingestão de líquidos ácidos. Em cerca de 1/3 das pessoas, o acometimento das glândulas não é aparente. Em 10% dos casos pode cursar com meningite viral. Outras complicações reportadas são: orquite, tireoidite, artrite, glomerulonefrite, miocardite, ataxia cerebelar. As complicações associadas à caxumba podem ocorrer na ausência de parotidite, possivelmente retardando o diagnóstico da doença.

Nem todos os casos de parotidite, especialmente aqueles esporádicos e isolados, são devido à infecção pelo vírus da caxumba. A parotidite pode ser causada por vírus tais como parainfluenza do tipo 1 e 3, Epstein Barr, influenza, Coxsackie A, echovirus, vírus da coriomeningite linfocítica, HIV e outras causas. Também pode estar relacionada a causas não infecciosas, tais como drogas, tumores, doenças imunológicas e obstrução do ducto salivar.

Investigação diagnóstica

Geralmente, o diagnóstico é clínico. Na era pós-vacina, a maioria dos casos de caxumba ocorre em adolescentes, adultos jovens e estudantes universitários. Durante a epidemia de caxumba dos EUA em 2006, 48% dos casos ocorreram em pessoas com 17 a 25 anos e 30% eram estudantes universitários. Na Inglaterra e no País de Gales em 2005, mais de 56,000 casos de caxumba foram relatados e mais de 80% destes eram em pessoas com mais de 15 anos de idade. Nos países nos quais não há vacinação contra caxumba, a faixa etária mais afetada é a de crianças. É importante colher a história de vacinação.

O diagnóstico laboratorial compreende o isolamento viral ou RT-PCR de amostras de swab bucal, saliva e líquor, além de sorologia (IgG e IgM).

• Hemograma completo

Geralmente, a contagem leucocitária e a contagem diferencial são normais. Leucocitose tem sido observada em meningite, orquite ou pancreatite por caxumba.

• Sorologia

O teste sorológico é realizado somente com amostras pareadas, a primeira amostra colhida na fase aguda da doença e a segunda colhida 15 a 20 dias após a primeira. Resultado somente com a primeira amostra não tem valor diagnostico.

Um teste de IgM positivo para caxumba pode indicar infecção recente. O teste geralmente permanecerá positivo por até 4 semanas. No entanto, resultados falso-negativos foram observados em até 50% das amostras de pessoas com infecção de caxumba aguda que foram vacinadas anteriormente. Um título de IgM negativo em uma pessoa anteriormente vacinada não descarta infecção aguda, pois IgM não é um constituinte principal da resposta imune secundária. Se a IgM inicial for negativa em uma pessoa vacinada, uma segunda amostra deverá ser coletada caso tenha ocorrido uma resposta de IgM tardia.

A sorologia de imunoglobulina G (IgG) para caxumba será diagnóstica se houver um aumento de 4 vezes entre os títulos de anticorpos da fase aguda e convalescente. O título agudo deve ser colhido aproximadamente 4 dias depois do início dos sintomas originais. A amostra convalescente deve ser colhida 2 a 3 semanas depois do início dos sintomas. Um aumento de 4 vezes demonstrado por ensaio quantitativo ou uma soroconversão de negativo para positivo em imunoensaio enzimático, é considerado diagnóstico. Novamente, esse aumento pode não ser observado em pessoas vacinadas. Portanto, um teste negativo não descarta infecção de caxumba.

Sorologia para detecção de IgM


O teste de imunoglobulina M (IgM) sérica deve ser realizado no mínimo 3 dias depois do início dos sintomas clínicos, e, recentemente, foi sugerido que o momento ideal para realizar o teste de IgM é 7 a 10 dias depois do início dos sintomas.
Em não vacinados – IgM pode ser detectada 5 dias após início dos sintomas, o pico ocorre em 7 dias e mantem-se elevado por semanas ou meses.

Em Vacinados – podem não haver resposta com produção de IgM ou esta pode ser transitória e não detectável, dependendo da época da coleta. Portanto podem ocorrer alto número de casos falso negativos. A coleta ideal é aquela que ocorre 10 dias após o início dos sintomas. Entretanto pessoas com história de vacinação podem não ter IgM detectado independente da data da coleta.

Sorologia para detecção de IgG

Uma amostra de IgG não é utilizada para diagnóstico. A presença de IgG como a detectada por EIA ou FIA é considerada de imunidade, mas não necessariamente a presença de anticorpos neutralizantes ou proteção contra a caxumba.

O diagnóstico é feito quando S1 (primeira coleta) é negativa e S2 (segunda coleta) é positiva ou com aumento de 4 vezes em relação aos títulos da S1.

Não vacinados – IgG aumenta rapidamente e mantem-se por longo tempo

Vacinados – IgG pode estar alta na fase aguda o que dificulta detecção do aumento de 4 vezes no título.


• Ensaios de reação em cadeia da polimerase

O uso da reação em cadeia da polimerase possibilita uma confirmação mais rápida e precisa de caxumba. O teste é feito diretamente na amostra clínica, de preferência na saliva. O ensaio de reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR) usando um pequeno fragmento de gene específico pode confirmar a infecção, identificar a cepa viral específica e avançar os estudos epidemiológicos. A RT-PCR tem sido útil na diferenciação de cepas de caxumba genom
icamente distintas associadas a surtos específicos.

Em estudos comparativos, a RT-PCR foi universalmente mais sensível que técnicas de cultura viral. Em um estudo de pessoas com um diagnóstico clínico de doença viral do sistema nervoso central (SNC), o vírus da parotidite foi detectado por RT-PCR no líquido cefalorraquidiano (LCR) em 96% dos pacientes, enquanto apenas 39% dos pacientes tinham culturas de LCR positivas por coloração imuno-histoquímica.

Se houver suspeita de complicações neurológicas (por exemplo, cefaleia grave, torpor, sinais neurológicos focais), a análise do LCR e as tomografias computadorizadas (TC) de crânio podem ser usadas para descartar outra patologia.

• LCR

Celularidade no LCR: a linfocitose é predominante em meningite e encefalite por caxumba. A pleocitose pode se desenvolver em 50% dos casos de caxumba clínica.
Pressão e glicose no LCR: geralmente normais. A proteína no LCR geralmente é normal. No entanto, há relatos de concentrações de proteína elevadas.

• Cultura viral

O isolamento viral seletivo tem sucesso limitado porque a replicação do vírus da parotidite é transitória. O vírus tem sido isolado com frequência no LCR, na saliva, na urina ou no líquido seminal durante a primeira semana dos sintomas clínicos; o isolamento viral bem-sucedido diminui significativamente depois da primeira semana. [2] A presença do vírus é detectada por coloração de imunofluorescência da amostra.
Embora a viremia seja comum, o vírus da parotidite geralmente só é isolado no sangue nos primeiros 2 dias da doença. A impossibilidade de isolar o vírus da parotidite no sangue talvez se deva à presença coincidente de anticorpos contra o vírus.

• Amilase sérica

O nível pode ser elevado em parotidite e pancreatite por caxumba (dor abdominal, calafrios, febre e vômitos persistentes), mas o teste é inespecífico.

O tratamento da caxumba é sintomático

Prevenção da caxumba – Vacinas Tríplice e Quadrupla virais

O objetivo da vacinação de rotina é reduzir as taxas de incidência para caxumba e a eliminação do sarampo e rubéola. A vacina tríplice viral (SCR) contra sarampo, caxumba e rubéola entrou para o calendário básico de vacinação aos 12 meses de idade em 1996, sendo que uma segunda dose era aplicada em campanhas de seguimento. A segunda dose da vacina passou a integrar o calendário básico aos 4 a 6 anos de idade em 2006. Desde 2013 o Ministério da Saúde recomenda uma dose da a vacina tríplice viral aos 12 meses e uma dose da vacina quadrupla viral (SCR-V), contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela aos 15 meses de idade. As Sociedades Brasileira de Pediatria (SBP) e Brasileira de Imunizações (SBIm) recomendam que, aos 12 meses, a criança receba também uma dose da vacina varicela. Para crianças maiores, adolescentes e adultos recomendam-se duas doses com intervalo de 1 mês entre elas com a vacina tríplice ou quadrupla viral.

As vacinas Tríplice e Quadrupla virais são vacinas de vírus vivos atenuados, portanto, contraindicadas para gestantes e imunodeprimidos. Na maioria dos países, inclusive no Brasil, para o componente caxumba é usada a cepa Jeryl Lynn.

Em um estudo comparativo de pessoas com imunidade contra caxumba devida à vacinação versus imunidade contra caxumba adquirida naturalmente, os níveis de anticorpos imunoglobulina G (IgG) detectáveis foram menores no grupo vacinado. No entanto, respostas linfoproliferativas específicas do antígeno contra caxumba foram detectadas em 98% de todos os pacientes, demonstrando longa persistência da imunidade celular contra o vírus da parotidite.

A melhor estimativa da eficácia da vacina tríplice viral (com a cepa Jeryl Lynn) na prevenção de casos confirmados em laboratório de caxumba em crianças e adolescentes foi de 64% a 66% para uma dose e 83% a 88% para duas doses. Há evidências de diminuição da imunidade ao longo do tempo, portanto, uma falha vacinal secundária poderia ser importante fator de risco durante surtos da doença.

Reações adversas às vacinas são raras. As reações adversas mais comuns incluem reações locais, febre baixa e erupção cutânea. Também pode ocorrer parotidite, 5 a 10 dias após a aplicação.

Cobertura Vacinal no Estado do Rio de Janeiro

As coberturas vacinais para a primeira dose em crianças com 1 ano de idade, em geral são boas, mas, em algumas regiões do estado, não atingem a meta de no mínimo 95%. (Gráfico 1). Para a dose 2 (D2), no primeiro ano de vida, as coberturas vacinais não atingiram a meta de 95%, na maioria das regiões do estado, nos últimos 3 anos (Gráfico 2).

Gráfico 1 – Coberturas Vacinais – SCR D1 em 1 ano, por região do Estado do Rio de Janeiro – 2013 a 2015

 

Gráfico 2 – Coberturas Vacinais – SCR D2 em 1 ano, por região do Estado do Rio de Janeiro – 2013 a 2015

 

Epidemiologia

A caxumba costuma apresentar-se sob a forma de surtos, que acometem mais as crianças. Estima-se que, na ausência de imunização, 85% dos adultos poderão ter a doença, sendo que 1/3 dos infectados não apresentarão sintomas. A doença é mais grave em adultos. As estações com maior ocorrência de casos são o inverno e a primavera.

Antes da vacina ser introduzida, a caxumba era principalmente uma doença da infância, com o maior número de casos em crianças entre 5 e 9 anos de idade. Em uma revisão das pesquisas sorológicas mundiais para avaliar a imunidade da caxumba, 50% das crianças entre 4 e 6 anos e 90% das crianças entre 14 e 15 anos eram soropositivas, indicando que praticamente todas as pessoas de uma população não vacinada serão infectadas. Em países sem vacinação contra o vírus da parotidite, a incidência continua alta, com picos epidêmicos a cada 2 a 5 anos.

No Brasil, até então a caxumba não era uma doença de notificação compulsória. No entanto, surtos são notificados. No Estado do Rio de Janeiro, percebe-se um aumento de notificações desde 2013 com prevalência entre adolescentes e adultos jovens, como mostram os gráficos 3 e 4.

Gráfico 3 – Caxumba – casos notificados no Estado do Rio de Janeiro – 2007 A 2015 (SINAN até 19/06/2015)

 

Gráfico 4- Caxumba – proporção de caso
s notificados por faixa etária no Estado do Rio de Janeiro – 2007 a 2015 (19/06/2015)

Em 2015, foram notificados até 19 de junho, 530 casos, sendo que 83% deles na região metropolitana I. (Tabela 1).

Tabela 1- Casos notificados por região de residência – Estado do Rio de Janeiro – 2012 a 2015

 

Surtos de Caxumba na era pós introdução da vacina

Durante surtos de caxumba em comunidades com alta cobertura vacinal, a proporção de casos que ocorrem entre pessoas que tenham sido vacinadas pode ser elevada.
Mas, isso não significa que a vacina não seja eficaz.

A eficácia da vacina é avaliada comparando-se a taxa de ataque em pessoas que são vacinadas com a taxa de ataque para aquelas que não tenham sido vacinadas. Em surtos em populações com alta cobertura vacinal, pessoas não vacinadas contra caxumba geralmente têm uma taxa de ataque da infecção muito maior do que aquelas corretamente vacinadas (com duas doses da vacina).

O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) apresenta o seguinte exemplo como forma de demonstrar o que ocorre durante surtos em populações com alta cobertura vacinal.

Digamos que um surto ocorra em uma comunidade de 1.000 pessoas e que dessas, 950 tenham recebido duas doses da vacina e 50 não sejam vacinadas (cobertura vacinal, portanto de 95%).
• A taxa de ataque entre os não vacinados (50) seria de 30% e 15 pessoas não vacinadas adoeceriam.
• Entre as pessoas vacinadas (950), a taxa de ataque seria 3%, e 29 pessoas vacinadas adoeceriam.
• Por conseguinte, das 44 pessoas que adoeceriam durante esse surto, a maioria (29, ou 66%) estavam entre os vacinados.
Isto não implica que a vacinação não tenha siso eficaz. Na verdade, pessoas não vacinadas tinham 10 vezes mais chances de ficar doente do que aquelas adequadamente vacinadas, mas, o número de vacinados em populações com boa cobertura vacinal é muito maior. Além disso, se nenhuma das 1.000 pessoas fosse vacinada, o surto teria resultado em 300 casos a não de apenas 44 casos.
Portanto, neste cenário, podemos dizer que a vacina é eficaz na prevenção da doença, após duas doses.

A fórmula para calcular a eficácia da vacina é: taxa de ataque em grupo não vacinado (TANV), menos a taxa de ataque em grupo vacinado (TAV) dividido pela taxa de ataque em grupo não vacinado (TANV), ou (TANV-TAV)/ TANV.

Além de ser eficaz na redução de casos, a vacinação permite redução de complicações da doença. Entre pessoas vacinadas, complicações graves da caxumba são incomuns, mas ocorrem com maior frequência entre os adultos do que crianças.

Segundo o CDC, durante surtos nos EUA ocorridos em 2006 e entre 2009 – 2010, as taxas de orquite entre homens pós-púberes variaram de 3,3 a 10%; entre as mulheres pós-púberes, taxas de mastite e ooforite variaram de <1 a 1%. Entre todas as pessoas infectadas com caxumba, as taxas de surdez, pancreatite, meningite e encefalite foram todas menores que 1% e não houve mortes relacionadas com caxumba durante os surtos notificados nos EUA.

Ainda segundo o CDC, antes da era da vacinação, a caxumba ganhou notoriedade como uma doença que afetou substancialmente exércitos durante I Guerra Mundial, quando a taxa de hospitalização entre militares foi de 55,8 por 1.000, apenas superada pelas taxas relacionadas à influenza e gonorreia. A caxumba causava surdez transitória em 4.1% dos homens adultos infectados e surdez unilateral permanente em 1 de 20.000 pessoas infectadas. Bem antes da introdução da vacina caxumba, em 1967, a caxumba foi responsável por cerca de 10% dos casos de meningite asséptica e 35,9% dos casos de encefalite notificados nos Estados Unidos. Orquite chegou a ser relatada em 11,6% a 66% dos homens pós-púberes com caxumba e a ooforite em aproximadamente 5% das mulheres pós-púberes. A pancreatite foi relatada em 3,5% das pessoas infectadas. com caxumba em um surto comunitário.

Controle de surtos

Os surtos de caxumba costumam acontecer em ambientes escolares ou outras comunidades. Pessoas com parotidite devem ser afastadas do convívio comunitário por 5 dias depois do início de parotidite.

A imunização depois da exposição (vacinação de bloqueio) não tem sido útil na proteção contra a disseminação da doença. No entanto, recomenda-se a vacinação da comunidade em surto na tentativa de diminuir o número de suscetíveis e proteger futuras exposições.

Em escolas, recomenda-se a vacinação dos suscetíveis ou pessoas com esquema incompleto de vacinação (alunos, professores e funcionários). Além disso, todos os funcionários devem ser educados em como impedir a propagação da caxumba e a reconhecer os sinais e sintomas da doença.

Referências

BMJ. Best Practice. Caxumba. Disponível em http://brasil.bestpractice.bmj.com/best-practice/monograph/1037/diagnosis/step-by-step.html. Último acesso em 18.07.15.

CDC. Mumps. Disponível em http://www.cdc.gov/mumps/hcp.html. Último acesso em 18.07.15.

CDC. VPD Surveillance Manual, 5th Edition, 2012 Mumps: Chapter 9-1. Disponível em http://www.cdc.gov/vaccines/pubs/surv-manual/chpt09-mumps.pdf. Último acesso em 18.07.15.