SOPERJ esclarece sobre a importância da triagem para os transtornos do espectro do autismo

Os transtornos do espectro do autismo (TEA, segundo a classificação da Associação Americana de Psiquiatria), se instalam nos primeiros anos de vida, afetando o desenvolvimento da criança nos campos da interação interpessoal, da comunicação e do repertório de interesses, atividades e brincadeiras. A noção de espectro implica entender as variadas manifestações do autismo num continuum do mais leve ao mais grave, colocando menor ênfase na distinção entre os subtipos de autismo.

De acordo com dados recentes publicados por pesquisadores Norte Americanos, o autismo afeta um número aproximado de 1 em cada 68 crianças. Em nosso país, a realização deste diagnóstico é frequentemente tardia, reduzindo as chances de intervenções adequadas que poderiam alterar o curso do desenvolvimento de muitas dessas crianças. Frequentemente, os pacientes são avaliados por profissionais de diferentes formações e com práticas não unificadas, muitas vezes inadequadas para a avaliação da faixa etária ou das características centrais do problema em questão.

Razões para isto são muitas e a falta de instrumento unificado de triagem deixa a cargo do profissional consultado, independente de sua área, definir os parâmetros de avaliação. Assim, o assunto que já é complexo passa a carecer de parâmetros mínimos para que haja comunicação transdisciplinar. A ausência de pediatras nas ESF certamente tornou bastante superficial a avaliação do desenvolvimento da criança, tarefa demorada e específica.

Os sintomas devem ser explorados dentro de uma perspectiva evolutiva, e alguns indícios inespecíficos podem aparecer ainda no primeiro ano de vida. É entre o primeiro e o segundo aniversário que alguns sinais, especialmente a ausência, o atraso ou desvios da fala, chamam mais a atenção. Com o passar dos meses outros sinais mais típicos começam a aparecer, confirmando o que era apenas uma suspeita.

Cerca de metade das crianças autistas não desenvolve uma fala funcional, mas a maioria consegue articular algumas palavras. Quando a fala não aparece até os cinco anos, as aquisições posteriores nesse campo são mais lentas e mais difíceis, e a evolução do quadro autista como um todo costuma ser pior. Porém, há muitos relatos e autorrelatos escritos por autistas que passaram a se comunicar na adolescência a partir de aplicativos de notebooks, teclados ou similares.

O sinal que merece maior atenção é a ausência da iniciativa do bebê em buscar a interação, pouco interesse em olhar para as pessoas, para o que elas tentam lhe mostrar e poucas ou ausência de procurar o olhar do outro para compartilhar um objeto de interesse. Os sinais de risco para o desenvolvimento do autismo têm mais sensibilidade do que especificidade, havendo o risco de “falsos-positivos”. Porém, “falsos-negativos” também devem ser evitados e, na dúvida, o encaminhamento para um profissional de saúde mental deve ser realizado.

Um sinal precoce de muitas crianças portadoras de autismo é a ausência de postura antecipatória. Por exemplo, não demonstram interesse quando o adulto se aproxima e tenta levá-las ao colo. É comum que não respondam quando chamadas pelo nome, o que pode levar à suspeita de que a ausência de resposta da criança seja devida a problemas auditivos. Algumas crianças são silenciosas e quase nunca choram; outras choram em excesso. Considerando que neuroplasticidade neuronal é muito maior nos primeiros anos de vida, é importante que comportamentos atípicos sejam detectados o mais precocemente possível. Quanto mais precoces forem as medidas de promoção de saúde, maior será o aproveitamento nos processos de reabilitação destas crianças, na adequação inclusiva de seus processos pedagógicos e no suporte as famílias, que devem ser adequadamente orientadas. Entretanto, devemos lembrar que de 20 a 40 % das crianças autistas apresentam um desenvolvimento normal até os 18 ou 20 meses de idade, dificultando a identificação nessa etapa do desenvolvimento.

Com a entrada em vigor da  Lei 13.438, em vigor desde  outubro deste ano, que  altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, tornando “obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construído com a finalidade de facilitar a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento da criança, de risco para o seu desenvolvimento psíquico”, está em pauta a discussão sobre a  detecção precoce de sinalizadores de risco ao desenvolvimento, incluindo a detecção precoce de risco para instalação do autismo.

Recursos como este têm como objetivo cobrir melhor a informação relevante de forma mais sistematizada e muitas vezes pode ser um instrumento  valioso para auxiliar na avaliação e acompanhamento dos pacientes. Entretanto, deve-se evitar que ocupem um lugar de destaque, indevido. Se tomados de forma isolada, dados colhidos a partir da aplicação desses questionários podem levar a simplificações e a hipóteses equivocadas, a muitos problemas e inconsistências.

Cabe lembrar que o instrumento mais completo para acompanhamento do desenvolvimento integral de bebês de zero a dezoito meses é a Caderneta de Saúde da Criança (CSC), posto ser um documento universal, de vigilância do pleno desenvolvimento do bebê e da criança, direito de toda criança brasileira, que reúne o registro dos mais importantes eventos relacionados à saúde infantil, consideradas as diferentes dimensões de crescimento e desenvolvimento, dentre as quais a dimensão psíquica.

A existência de uma triagem universal voltada para questões psíquicas apenas estabelece um olhar diferenciado a marcos do desenvolvimento que frequentemente se encontram ausentes nestas crianças ou, em outros casos, sinaliza o aparecimento de comportamentos inadequados que indicam risco e que necessitam de acompanhamento diferenciado. A triagem não estabelece o diagnóstico, mas permite que a criança e sua família sejam encaminhadas para atenção adequada, minimizando o impacto futuro de eventuais diagnósticos que existam.

Do ponto de vista da saúde pública, é preciso avançar na efetivação das estratégias previstas nas leis e normativas existentes, na educação permanente, no desenvolvimento de ações de promoção de saúde/saúde mental, na ampliação de equipes multiprofissionais. Nunca é demais destacar que o acompanhamento do desenvolvimento psíquico deve estar referido ao conjunto do cuidado integral aos bebês e suas famílias e que toda proposição para ações em saúde deve estar
comprometida com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), devendo ser garantido o acompanhamento e cuidado integral às crianças.