(We Are) Lost in Translation

Imbuído do verdadeiro espírito pré-Copa do Mundo, este colunista expande os horizontes além do inglês e dedica esta edição à nobre missão de comunicar-se com os pacientes. Não lhes parece oportuno abordarmos as dificuldades de comunicação que surgem quando o médico e o paciente têm línguas maternas distintas?
 

     O recém-lançado Programa Mais Médicos deverá produzir alguns relatos de falhas na comunicação entre o médico estrangeiro e os pacientes brasileiros. Torçamos para que se restrinjam a casos bem-humorados e não provoquem tragédias. Ademais, com a aproximação da Copa do Mundo e das Olimpíadas em 2016, aliada às crescentes taxas de imigração relacionadas à globalização em geral e à exploração do pré-sal em particular, tenho a convicção de que nós, pediatras cariocas, também enfrentaremos o desafio de assistir pacientes estrangeiros com pouca ou nenhuma proficiência em português.

     Os Estados Unidos lidam com essa questão há décadas, assim não é por acaso que revistas científicas proeminentes publicaram artigos a respeito 1,2. O problema ganhou proporções tão dramáticas que, em 2009, o estado da Califórnia sancionou uma lei exigindo que as instituições de assistência médica oferecessem serviços de tradução e interpretação a pacientes que não falam inglês.

     Uma história real para nos alertar sobre os riscos implícitos: um rapaz de 18 anos foi levado ao setor de emergências de um grande hospital norte-americano. Chegou em coma, e sua mãe afirmou que logo antes de desmaiar ele dissera“intoxicado”, cujo significado em espanhol é “nauseado”. A equipe médica entendeu que o rapaz recebera uma overdose de droga.  Após 36 horas de exames e tratamentos baseados na presunção de overdose, descobriu-se que ele tinha hematoma intracerebelar, o qual comprimiu o tronco encefálico e gerou tetraplegia irreversível. O hospital foi processado e indenizou a família em 71 milhões de dólares1. Sabemos que, no Brasil, as indenizações são bem mais modestas, mas as consequências de um hematoma intracraniano diagnosticado tardiamente também seriam desastrosas para o paciente e seus familiares.

     Outro exemplo pediátrico: há alguns anos, o fabricante de fórmulas infantis Mead Johnson viu-se obrigado a retirar do mercado 4,6 milhões de latas de Nutramigen porque houve vários erros na tradução para o espanhol das instruções de preparo.

     Um estudo de Flores et al. 2 analisou a qualidade da comunicação no ambulatório de pediatria de um hospital em Boston. Famílias fluentes apenas em espanhol foram atendidas por médicos que falavam apenas inglês. A comunicação foi facilitada por um intérprete profissional, por parentes ou por funcionários bilíngues. Em cada atendimento gravado, ocorreram em média 31 erros de tradução. Os autores concluíram que mais da metade dos erros tinham consequências clínicas em potencial, porque ocorreram omissão de informações importantes e equívocos na posologia e até mesmo na via de administração dos fármacos.

     O que acontecerá em uma situação de emergência na periferia das cidades brasileiras quando o médico estrangeiro não entender os sintomas
descritos pelo paciente? Olho vivo, Conselhos Regionais!

Às seleções participantes da Copa: Bem-vindos! Bienvenidos! Welcome! Bienvenue! Willkommem! Benvenuti! Kalos ilthate! Dobro pojalovat! Hwan yung hap ni da!

 

Referências

1. Flores G. Language Barriers to Health Care in the United States. New England Journal of Medicine 2006;355(3):229-31.

2. Flores G, Laws MB, Mayo SJ et al. Errors in Medical Interpretation and Their Potential Clinical Consequences in Pediatric Encounters. Pediatrics 2003;111:6-14.